Patrões vão pagar por doenças que resultem de assédio

PS, BE e PAN ultimam nesta quarta-feira a proposta conjunta de reforço do regime jurídico de combate ao assédio no trabalho.

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Será criada uma lista no site da Autoridade para as Condições do Trabalho com os nomes das empresas condenadas David Gray

Os patrões vão passar a ser obrigados a assumir a “reparação dos danos emergentes” de doenças profissionais dos seus trabalhadores que decorram de uma situação de assédio no trabalho. PS, BE e PAN chegaram a acordo quanto a este ponto e ainda esta quarta-feira deverão ultimar, numa reunião do grupo de trabalho criado para o efeito na Comissão de Trabalho e Segurança Social, a proposta conjunta de reforço do quadro jurídico de combate do assédio moral e sexual no local de trabalho que há-de ser posta a votação no plenário no dia 19 de Julho.

“O que acontece hoje é que em situações de assédio as pessoas ficam destruídas, com doenças, e entram muitas vezes em situações de baixa médica, com os encargos a serem totalmente suportados pelo Estado, ou seja, a empresa provoca prejuízo ao trabalhador e o Estado cobre esse prejuízo”, precisou o deputado bloquista José Soeiro, que coordenou o grupo de trabalho que durante vários meses consensualizou as posições dos diferentes partidos que apresentaram propostas relacionadas com o combate ao assédio sexual e moral no local de trabalho — além do PS, do BE e do PAN, também o PCP que decidiu defender sozinho a respectiva proposta a levar a votação final global. Quando a nova lei for aprovada, prosseguiu Soeiro, “o que o Estado fará é imputar à empresa esse custo, tal como acontece nas doenças profissionais e nos acidentes de trabalho”.

Trata-se, segundo o coordenador bloquista de “um importantíssimo passo em frente”. Mas não será o único. PS, BE e PAN também concordaram com a proibição de as empresas sancionarem disciplinarmente um trabalhador que se queixe de assédio, bem como as testemunhas por si indicadas, até que haja uma decisão final transitada em julgado do respectivo processo judicial ou contra-ordenacional.

“Hoje há uma grande discrepância entre as pessoas que se identificam como tendo sido vítimas de assédio — e são cerca de 16% dos trabalhadores, de acordo com o último estudo — e as queixas que existem e que, no ano passado, foram apenas quatro. E uma das razões para esta discrepância é que não existe nenhum mecanismo de protecção para quem denuncia uma prática de assédio ou para quem aceita ser testemunha”, sustenta o deputado, para quem se trata assim de impedir que as empresas accionem processos disciplinares como forma de “retaliação e de pressão sobre os trabalhadores e para que não existam mais denúncias”.

Despedimentos ilícitos até um ano depois

Da proposta conjunta resulta uma outra proibição para as empresas. Estas passam a ser impedidas de despedir um trabalhador que tenha sido vítima de assédio até um ano desde a apresentação da queixa. “Muitas vezes as empresas intentam um processo de tortura psicológica ao trabalhador que se queixou de assédio que faz com que ele acabe por ter uma falha que leva ao seu despedimento. O que vai ficar definido é que se presume como abusivo qualquer despedimento quando ele tenha lugar menos de um ano decorrido desde a apresentação de queixa por assédio”.

Bastante menos ambiciosa é a formulação relativa ao “custo de imagem” a imputar às empresas. Na formulação inicial do BE, propunha-se que as empresas condenadas ficariam impedidas de participar em concursos públicos e teriam que publicitar essa condição em qualquer anúncio publicado — nos destinados à contratação de pessoal, por exemplo —, mas a necessidade de obter consensos levou a uma formulação mais suave.

O que se propõe agora é que seja criada uma lista de acesso público, a partir do site da Autoridade para as Condições do Trabalho, onde constarão os nomes de todas as empresas condenadas por tais práticas. “A actual lei”, segundo Soeiro, “diz que a sanção acessória de publicidade pode ser dispensada e o que dizemos agora é que essa sanção deve ser aplicada sempre, como forma de inibir a prática de assédio”.

Uma das questões mais fracturantes entre PS, BE, PCP e PAN, ou seja, entre os partidos que avançaram com diferentes propostas de lei de combate ao assédio no local de trabalho, foi a proposta que previa a inversão do ónus da prova. Defendida pelos bloquistas, isto fazia com que coubesse ao empregador provar que os factos indicados pelo queixoso não configuram assédio. O PS, porém, não concordou.

O BE vai, ainda assim, avançar sozinho com esta ideia. “Não vamos desistir, porque se trata de uma alteração fundamental”, sustentou Soeiro, para lembrar que se trata na realidade de uma “repartição do ónus” ou seja, “o queixoso tem que indicar os factos que configuram assédio e o empregador que provar que tais factos não têm intencionalidade nem o efeito de humilhar, pressionar e ofender a dignidade do trabalhador”. 

 

Notícia actualizada às 12h50 para acrescentar que o PAN decidiu subscrever a proposta conjunta

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