Os pais perfeitos

Os pais perfeitos não têm dúvidas. Perante qualquer dificuldade ou dúvida dos seus filhos, respondem com convicção absoluta e indicam, sem hesitação, o caminho a seguir. Não admitem o erro e se, por acaso, o resultado da sua determinação não conduz a um bom desfecho, culpam os filhos ou a sociedade do insucesso. Na escola, contestam os professores, com a afirmação de que a responsabilidade da educação pertence à família, a escola apenas tem de ensinar e não perder tempo com assuntos laterais. Quando são chamados a dar opinião em qualquer contexto, aparecem cheios de certezas, num mundo à sua volta dominado pela incerteza. Muitas vezes juntam-se a outros pais com convicções semelhantes, participando em associações que veiculam “os melhores valores”, o tradicionalismo na esfera educativa e as posições mais conservadoras no domínio dos costumes. Em público, sentem-se atingidos sempre que se põe em causa o seu edifício educativo, pois só eles sabem o melhor para os seus filhos e para os seus jovens amigos. Quando alguém chama a atenção para a complexidade da educação no mundo dos nossos dias, respondem que chegámos aqui porque os pais não foram firmes, ou então não tiveram o comportamento de modelo que sempre se julgaram capazes de evidenciar.

Falar com estes pais não é fácil. Quando um filho destes casais comete um erro, a resposta habitual é: “Tenho a certeza que essa estória está mal contada. O meu filho, estou certo, não se comporta assim.” Quando os confrontamos com factos objectivos e que não são susceptíveis de contestação, mergulham em tristeza profunda, ou insistem em dúvidas persistentes, sem qualquer respeito pela descrição dos outros. É como se um descendente daqueles pais perfeitos não pudesse cometer o mínimo deslize, nem ser capaz de qualquer gesto menos ponderado.

Durante alguns anos a perfeição ocorre mesmo, ou pelo menos o que não é brilhante é escondido. Os pais fazem propaganda dos êxitos dos filhos, sempre os melhores na escola, no desporto ou na catequese. As crianças sentem-se protegidas por pais tão convictos e poderosos e não ousam contestá-los. No entanto, alguns sinais menos promissores podem começar a surgir: muitas dessas crianças mostram traços de dependência e não estão à vontade perante amigos mais ousados, cujos pais desde cedo se preocuparam com a sua autonomia.

É na adolescência, contudo, que a situação se complica. Nas famílias mais comuns e menos perfeitas, o desprendimento dos filhos em relação aos pais dá-se de um modo natural e a autonomia conquista-se de uma forma negociada. Os protestos e mesmo a rebelião dos mais novos são sentidos como esforços de crescimento e interpretados como “uma fase” — a adolescência — finda a qual se dará um novo período de serenidade.

Nas famílias perfeitas, as tentativas de autonomia são muitas vezes sentidas como um ataque pessoal aos pais, que reforçam o seu autoritarismo com medidas punitivas e críticas sistemáticas, tudo justificado pelo “superior interesse” do jovem em causa. Nalguns casos e devido aos padrões anteriores de dependência e submissão, os jovens interiorizam a “culpa” e mergulham em padrões de isolamento e submissão.

Os pais perfeitos precisam de ter a noção de que educar é preparar para o exterior e que a educação provém de muitas fontes, para além do casulo familiar. Crescer é respeitar os pais, mas também saber trilhar o seu próprio percurso.

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