Os filhos divertem-se nas colónias de férias e os pais sofrem em casa

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Foto: Rui Gaudêncio

Telefonam à meia-noite para saber se a menina está a dormir e se tem o ursinho, aparecem de surpresa na praia e choram de saudades. São os pais ansiosos com a primeira separação prolongada… dos filhos. Mas as crianças divertem-se a valer. E crescem.

Alguns pais precisam de “ser educados” para a ausência dos filhos, mesmo que esta dure apenas uns dias e lhes seja garantido que tudo está a correr pelo melhor. Os miúdos, entretanto, vão-se divertindo e ganhando autonomia. “Porque as colónias de férias são uma lição para a vida”, diz Aida Graça, que foi coordenadora e monitora de campos de férias durante dez anos.

“Os pais iam à beira da vedação do campo espreitar, escondidos, para ver se conseguiam observar os filhos”, conta divertida. “Às vezes, telefonavam para saber quais as actividades programadas para o dia seguinte. E depois apareciam na praia completamente vestidos…” As crianças descobriam-nos logo. “Eram elas que, descontraidamente, nos vinham dizer: ‘Está ali o meu pai, está a fazer-me adeus’”, recorda a professora do 1.º ciclo do ensino básico.

Há miúdos que reagem bem a essas visitas inesperadas, “vêem os pais e continuam serenos”, explica Aida Graça. “Outros, mais ansiosos, querem ir com eles para casa, apesar de momentos antes estarem a divertir-se e longe de pensar na família.” É esse o risco de os pais aparecerem a meio do turno: “Mesmo que a experiência esteja a ser positiva e a criança goste do grupo e do monitor, querem ficar com os pais porque os viram e, naturalmente, têm saudades deles.”

Uma das suas estratégias era a de convidar os “espiões” a aproximarem-se e darem um beijinho aos miúdos. “Seria impensável dizer: ‘Vá-se embora porque não pode falar com o seu filho’.” Mas a regra nessa colónia (Palmela) era a de os pais não terem contacto com os miúdos durante 15 dias. “Demasiado tempo”, admite. Sobretudo para as idades mais baixas.

“Durante alguns anos fizemos visitas a meio do turno. No final da primeira semana, iam passar uma tarde com os familiares. Depois deixámos de o fazer porque os meninos, que estavam óptimos em termos de experiência e autonomia, acabavam por querer ir-se embora”, lembra.

Havia uma folha com recados. Exemplo: “Pergunte lá à minha mãe como é que está a cadela.” Os monitores perguntavam à mãe e depois davam a resposta ao miúdo. Este procedimento dava confiança a ambas as partes.

A senhora sabe lá quem é o meu filho?

Na altura, o telemóvel não estava tão vulgarizado, mas a possibilidade de um contacto telefónico diário a horas definidas pelas colónias passou a ser prática corrente e era positiva (continua a ser): “Quando ouvem o filho a dizer, mesmo que ‘a despachá-los’: ‘Está tudo bem, adeus!’, os pais acreditam. Quando é o monitor a dizer que eles estão bem, ficam na dúvida, desconfiam.”

Uma vez perguntaram-lhe: “Mas a senhora sabe lá quem é o meu filho no meio desses miúdos todos. Qual é a cor dos olhos dele?” E Aida Graça reconhece que, “em 80 miúdos, não é fácil logo ao segundo dia saber quem é quem”. No entanto, “com o passar dos dias, os pais conseguem perceber que nós sabemos exactamente com quem é que estamos a falar”. E ficam mais tranquilos quando o monitor já conhece alguns pormenores familiares: “Se eu falasse no gato, no passarinho ou no avô, eles ficavam logo mais confiantes.”

Alguns pais sofrem mesmo. “Havia uma mãe que telefonava à meia-noite para a colónia a perguntar se a menina estava a dormir e se tinha o ursinho”, recorda, sem conseguir deixar de sorrir. E outra que chorava e dizia: “Estive mesmo agora a passar a ferro uma T-shirtzinha dele e estou cheia de saudades.”

A ex-monitora considera as colónias de férias “uma lição para a vida” porque os “miúdos aprendem a ser autónomos verdadeiramente, não têm os pais lá, têm de se relacionar com um adulto que desconhecem e com as outras crianças — é óptimo”.

Com 42 anos, a professora tem duas filhas gémeas de dez e diz que também teria muita dificuldade em deixá-las 15 dias numa colónia por alturas dos seus seis a oito anos. “Nessas idades, é muito tempo. Uma semana é uma maravilha. E os pais sobrevivem melhor.”

“Treinar” com a família

A psicóloga clínica Vera Ramalho compara a ansiedade dos pais relativamente às colónias de férias à que sentem nos primeiros dias de escola. No caso, com a “agravante” das noites passadas fora de casa. Dúvidas mais frequentes: será que o filho se vai adaptar, fazer amigos, alimentar-se bem, conseguir dormir, brincar?

Por isso defende que o melhor é tentar esclarecer tudo o que for possível junto dos responsáveis, sossegar o espírito e transmitir tranquilidade à criança. “Conhecer as instalações, o projecto educativo e pedagógico; verificar a segurança do local; conhecer o adulto responsável pela criança; deixar o contacto e obter o contacto dos monitores; optar por um local que ofereça actividades que despertem o interesse da criança e que os pais considerem adequadas para a sua idade; conhecer a alimentação a ser servida”, são algumas das sugestões.

Se durante o resto do ano a criança ficar de vez em quando em casa dos avós, tios ou amigos de confiança, é mais provável que “tanto os pais como a criança se habituem à ausência uns dos outros”. Assim, vão treinando o afastamento.

Frequentemente a trabalhar com casais e adolescentes, a psicóloga considera as colónias de férias “uma óptima oportunidade para ajudar a criança e os pais a enfrentarem alguns fantasmas da separação”. Além de contribuírem para um crescimento saudável, pela “vivência de experiências promotoras da autonomia, onde há também divertimento, sociabilização e atribuição de responsabilidades”.

Liberdade controlada

A especialista do centro de consulta psicológica e apoio educativo Psiquilíbrios (Braga) acredita que “a maior parte das crianças está preparada entre 10/12 anos para ficar longe da família por um período prolongado”. No entanto, não tem dúvidas de que “os pais são os que melhor conhecem os seus filhos e poderão saber se de facto a criança tem ‘bagagem emocional’ para se afastar por muito tempo”. O que pode acontecer antes destas idades.

Mas é possível algum pai deixar um filho num local desconhecido sem se preocupar? “Os pais devem preocupar-se. Além da questão afectiva inerente à parentalidade, serão sempre os primeiros cuidadores dos seus filhos e a eles cabe a missão de vigiar e de zelar pelo bem-estar das crianças. Fundamental é encontrar um ponto de equilíbrio”, responde Vera Ramalho.

No caso dos adolescentes, sugere que promovam “uma espécie de ‘liberdade controlada’, onde a criança ou o jovem ganhe independência e responsabilidade”. E lembra que, nalgumas famílias, “um período de férias longe de casa pode ter o efeito benéfico de melhorar a relação entre pais e filhos”.

Importante para a criança é ter a garantia de que, “em caso de extrema necessidade, os pais poderão ir buscá-la, mas que ela deve fazer um esforço para ficar, pois estes consideram a ida para a colónia importante para o seu bem-estar e crescimento”.

Não foi o que aconteceu em duas das histórias que Aida Graça contou ao PÚBLICO. Porque também há casos ao contrário: “Um menino tinha uma crise de apendicite. Teve de ir para o hospital, ser internado e operado. Ninguém da família apareceu porque nunca atenderam o telefone”, lamenta. “São pais que querem ver-se livres das crianças durante 15 dias e ir de férias para o estrangeiro, por exemplo. E os contactos que deixam são os de casa (onde ninguém atende durante aquele período).”

Outra história que considera inaceitável: “Um miúdo chorava muito, não se adaptou. É raro, mas acontece. Acabei por telefonar para casa dele para o irem buscar, e expliquei: ‘Não está a ser uma experiência positiva, temos de nos organizar porque o menino precisa de voltar para casa.’ A mãe disse-me assim, tal e qual: ‘Nem pensar! Eu estou a pintar a marquise e só posso ir buscá-lo daqui a sete dias, quando a marquise estiver pronta e eu acabar de pintar a casa’.” E a criança chorou durante todo o turno.

“É grave. A colónia deve ser vista como uma experiência feliz, não como uma prisão ou depósito de crianças porque a família se quer livrar delas por uns tempos.” E a professora insurgiu-se durante todo o tempo. Hoje ainda.

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