Os comandos e a natureza humana

A única forma de manter intacta a reputação da instituição é colaborar com a Justiça, como pediram e pressionaram o Presidente da República e o ministro da Defesa, e como estará a fazer a Polícia Judiciária Militar.

Ainda bem que os tribunais militares foram extintos. Estas instituições serviam muito mais para reforçar a opacidade das Formas Armadas do que para garantir a aplicação da Justiça. Ainda bem que os tribunais militares foram extintos, porque tanto os queixosos como os acusados do Curso 127 dos Comandos, no qual morreram dois instruendos em Setembro de 2016, têm direito a ser julgados por um tribunal civil. Caso ainda existissem, este processo correria mais riscos de ser encarado como uma simples questão de disciplina militar e não teria um efeito de contágio na divulgação e conhecimento de outras denúncias. Sabe-se agora que a Polícia Judiciária Militar propôs investigações às formações ministradas em 2014 e 2015 — os cursos 123 e 125 —, cujo processo interno de averiguações fora arquivado por ordem do comandante do Regimento de Comandos.

O que os três têm em comum não são apenas os eventuais abusos — um dos instruendos ainda está a recuperar de lesões, dois anos depois —, mas também o facto de alguns dos arguidos do processo-crime terem sido formadores em todos eles. Nada de surpreendente num curso que esteve suspenso até 2012: nove instruendos morreram por afogamento ou suspeitas de espancamento entre 1988 e 1993. Perante isto, o resultado não poderia ter sido outro: novas regras e exames físicos e médicos mais rigorosos, adoptados no início da formação do Curso 128, a decorrer desde Abril, afastaram da instrução 35 dos 106 candidatos. E nenhum dos formadores anteriores transitou para o novo curso. Era o mínimo que se poderia exigir

A única forma de manter intacta a reputação da instituição é colaborar com a Justiça, como pediram e pressionaram o Presidente da República e o ministro da Defesa, e como estará a fazer a Polícia Judiciária Militar. Sem pôr em causa as exigências deste tipo de formações, porque é necessária uma instrução especializada, e porque estamos a falar de voluntários e não de conscritos, o Exército não pode deixar de se escrutinar a si mesmo. No seu próprio interesse — para que o Ministério Público não volte a escrever, como o fez num despacho de Novembro, que a actuação dos suspeitos revela “personalidades deformadas” e que os ofendidos estiveram sujeitos a um “tratamento não compatível com a natureza humana”. Uma instituição que mata os seus formandos com requintes sádicos como aqueles que são descritos na investigação está, inevitavelmente, a cometer suicídio.

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