Observatório defende penas alternativas à prisão

"Manifesto para uma nova cultura prisional” é apresentado no sábado, no ISCTE, em Lisboa. Apela à aposta em medidas semelhantes às aplicadas pelas comissões para a dissuasão da toxicodependência

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Responsáveis do observatório salientam que as prisões, que “causam repulsa” tem de ser o último recurso PAULO RICCA

“Um manifesto para uma nova cultura prisional” é apresentado, no sábado, no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. “Em vez de insistir na filosofia retributiva, olho por olho, dente por dente, é tempo de dar oportunidade à filosofia preventiva que funda a ideia de penas alternativas à prisão”, lê-se no documento, que será lançado pelo Observatório Europeu das Prisões.

A prisão está pensada como último recurso. O número de reclusos, todavia, tem estado a aumentar de forma contínua um pouco por todo o lado. Há cerca de 10 milhões de pessoas encarceradas no mundo – mais de um milhão e meio das quais na Europa, mais de 14 mil das quais em Portugal.

O manifesto faz a defesa de penas alternativas à prisão, aponta para “regimes de controlo diversificados, adaptáveis a cada caso, isentos de estigma, sem custos adicionais para a sociedade, mais baratos para o Estado”. Afinal, a finalidade central do sistema penal “é a prevenção dos crimes”.

“A noção de que no fim de um período de prisão cessam as responsabilidades do agressor e, por isso, este está livre para voltar à mesma vida, é assustadora para as potenciais vítimas indefesas”, lê-se no documento. “A experiência mostra que a colaboração voluntária dos condenados na prevenção dos crimes pode ser obtida na maioria dos casos. Isso deve ser prioritário.”

O manifesto refere como exemplo de boas práticas a política de drogas em Portugal. Desde Novembro de 2001 que a aquisição, a posse (não o tráfico) e o consumo deixaram de ser crime no país. Foram então criadas comissões para a dissuasão da toxicodependência, para aonde os consumidores de estupefacientes são encaminhados pelas forças de segurança e pelos tribunais. 

“Ao contrário das prisões, que causam repulsa e obrigam os profissionais a andar atrás de pessoas não colaborativas, este serviço de alternativas à prisão prestigia os profissionais envolvidos, não estigmatiza os utentes, atrai instituições para a rede de colaborações, tem custos muito baixos, tem indicadores de eficiência invejáveis, atrai utilizadores não identificados pelas autoridades”, refere-se no texto. Em vez de um mundo à parte cercado por muros, “redes de coacção social e profissional susceptíveis de estimular a autoresponsabilização”.

Também no sábado, serão apresentados dois relatórios, adiantou ao PÚBLICO o sociólogo António Pedro Dores, investigador do ISCTE, que com Ricardo Loureiro e Nuno Pontes, compõe a secção portuguesa do Observatório das Prisões Europeu. Um sobre doenças infecto-contagiosas e outro sobre medidas alternativas à prisão.

Após a crise de dívida, número de reclusos voltou a aumentar

Em Portugal, a população reclusa estava a diminuir desde 2002, na sequência da lei que descriminaliza o consumo de drogas. Com a crise da dívida, a tendência inverteu-se. Entre 2010 e 2015, o número de reclusos aumentou 22,5%, passando dos 11.613 para os 14.222, de acordo com os últimos dados divulgados pela Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ).

No relatório sobre medidas alternativas à prisão, a apresentar durante a tarde de sábado, há um capítulo inteiro sobre Portugal. “Não é um assunto debatido pelos serviços de administração de penas”. E, fora desse universo, o debate está muito limitado ao uso crescente da vigilância electrónica, impulsionado pela prisão preventiva aplicada a pessoas conhecidas.

Os autores não obtiveram a “colaboração da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais na recolha de informação pertinente para a investigação de programas e ou alternativas à prisão”. Mesmo assim, identificam “dois exemplos de práticas interessantes promovidas por instituições fora do sistema prisional que podem inspirar sistemas mais amplos de alternativas à prisão”. Referem-se ao às comissões de dissuasão e ao Programa Contigo, projecto de reabilitação psicossocial de agressores em casos de violência doméstica lançado em Ponta Delgada, nos Açores, em 2010, pela Rede de Apoio à Mulher em Situação de Risco, seguido por Cascais.

Sobre a propagação de doenças infecto-contagiosas nas prisões, o relatório a apresentar – parte de um projecto co-financiado pela União Europeia denominado Melhorar as Condições nas Prisões através do reforço da monitorização das Doenças Infecciosas promovido e gerido pelo Harm Reduction International em 2015 e 2016 – não acrescenta dados novos sobre Portugal. Analisa a informação disponível.

Em Portugal, o rastreio de doenças infecto-contagiosas no início da prisão tem sido posto em prática “muito lentamente”. E membros do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) “manifestaram frustração com os obstáculos que subsistem” dentro de algumas cadeias à participação de reclusos em programas de terapia de substituição.

Uma experiência de troca de seringas “funcionou durante seis meses (a partir de Dezembro de 2007) em duas prisões. “Infelizmente, a experiência falhou devido aos receios dos prisioneiros”, indicam. “Os presos acreditavam que se pedissem agulhas inevitavelmente enfrentariam a discriminação por parte das autoridades aquando dos pedidos de saídas precárias, liberdade condicional etc.”

O SICAD fez um inquérito nacional aos comportamentos aditivos nas prisões em 2014. Os consumos continuam a descer, à semelhança do que acontece no exterior. A cannabis era a droga ilícita mais consumida nas prisões (28,8% em 2014), mas já fora bem mais (29,8% em 2007 e 38,5% em 2001). Em todas as outras substâncias ilícitas, a prevalência era inferior a 10%.

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