O que se passou de errado no combate ao fogo em S. Pedro do Sul? MAI vai investigar

“Durante quatro dias estivemos esquecidos", diz presidente da câmara. Primeiro-ministro ouviu queixa, que considerou ser "fundamentada e sustentada"

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Imagem de bombeiros a combaterem o fogo em São Pedro do Sul Nelson Garrido

O primeiro-ministro, António Costa, revelou que o Ministério da Administração Interna abriu um inquérito para apurar o que se passou de errado no combate ao fogo em S. Pedro do Sul.

Em Arouca, onde esteve reunido com vários presidentes de câmara dos concelhos afectados pelas chamas, o chefe do Governo disse só ter registado, até agora, uma “queixa fundamentada e sustentada sobre algo que necessita de inquérito” nos combate aos fogos deste Verão: a mobilização dos meios de resposta no início daquele incêndio, que ainda não se encontra extinto, apesar de lavrar há vários dias.

António Costa explicou que o problema foi suscitado pelo presidente da Câmara de S. Pedro do Sul, Vítor Figueiredo, com quem também esteve reunido em Arouca, e que foi na sequência dessa queixa que “o Ministério da Administração Interna levantou um inquérito” sobre o que terá corrido mal.

O autarca exige que sejam apuradas responsabilidades pelos quatro dias em que o fogo esteve “esquecido” no concelho. E na reunião com o primeiro-ministro, pediu para que fossem investigadas eventuais falhas no ataque inicial, uma vez que começou por contar "apenas cerca de 30 ou 40 voluntários" para uma frente de incêndio "quase com 16 quilómetros". “Não posso admitir nem aceitar que não se apurem responsabilidades”, disse a António Costa.

Segundo Vítor Figueiredo, “tudo indica” que poderá ter havido um “esquecimento” por parte das autoridades da protecção civil devido à localização do concelho e à origem das chamas. “O fogo foi sempre pertença do distrito de Aveiro. No distrito de Viseu existiam outros incêndios. Foi uma altura em que havia muitos fogos nos dois distritos. A conclusão a que chego é que, sendo um fogo originário de Aveiro, e como S. Pedro do Sul está na fronteira entre os dois distritos, houve esquecimento de ambas as partes”, acusou. O autarca lembra que nos primeiros dias as chamas apenas estiveram a ser combatidas pelos bombeiros locais, num número entre 20 a 30 efectivos, e que “o fogo deveria ter sido combatido a tempo e horas e isso não aconteceu”. “Só na sexta-feira, quando tomou proporções gigantescas é que foi dada outra atenção”, lamentou.

“Durante quatro dias estivemos efectivamente ali esquecidos. Pedi para que abrissem o inquérito e agora vamos ver quem poderá ter responsabilidades na matéria, porque o que se pretende é que aquilo que se passou em S. Pedro do Sul não volte a acontecer no país”, disse também Vítor Figueiredo. Contactada pelo PÚBLICO, a Autoridade Nacional da Protecção Civil escusou-se a comentar estas declarações, alegando que a prioridade neste momento é apagar os incêndios em curso e remetendo qualquer explicação para o Ministério da Administração Interna - que também se recusou a reagir às declarações de Vítor Figueiredo.

Entretanto, o presidente da Câmara de Arouca, José Artur Neves, estimou em mais de 120 milhões de euros os prejuízos directos do incêndio que fustigou aquele concelho do distrito de Aveiro na última semana, e que alastrou depois a S. Pedro do Sul. A maior parte deste valor, mais de 117 milhões, tem a ver com os prejuízos nas actividades ligadas à fileira florestal, com 12 mil hectares de eucalipto e cinco mil de pinheiro que arderam e os custos em novas plantações.

"Cinquenta e oito por cento da nossa floresta ficou destruída e isso acarreta um prejuízo imenso, ainda por cima com a agravante de que as celuloses não estão a receber madeira queimada", disse o autarca, citado pela agência Lusa, adiantando que a floresta é um dos pilares da economia do município. O presidente da Câmara referiu ainda que 1185 cabeças de gado não vão ter onde pastar nos próximos sete meses, porque quase toda a área de pastoreio na serra ardeu.

"Cinquenta e sete famílias que estão dependentes do pastoreio dos animais não têm agora que dar de comer aos animais", lamentou o autarca, referindo que se não tiverem apoio terão de vender os animais e abandonar as aldeias da serra. José Artur Neves destacou ainda os prejuízos no sector do turismo, estimando em 4,5 milhões de euros os custos para a economia local até ao final do ano – valor que inclui o investimento necessário para recuperar os cerca de 600 metros dos Passadiços do Paiva que arderam, uma das principais atracções turísticas do concelho.

"O que aconteceu tem reflexos muito negativos na imagem do próprio território que é Geopark mundial da Unesco", afirmou o autarca, adiantando que será necessário recuperar 89% da Rede Natura de Arouca, que foi dizimada, incluindo flora e vegetação autóctones seculares, que desapareceram.

O primeiro-ministro admitiu que a legislação comunitária não dará cobertura a alguns destes prejuízos, tendo adiantado que estão a ser activadas pelo Governo linhas de apoio à reposição das capacidades de produção agrícola. “Também está a ser feito um levantamento para apurar o que será preciso mobilizar no âmbito do fundo de emergência do Ministério da Administração Interna”, adiantou. 

António Costa frisou que a prioridade agora é "repor a economia destes concelhos a funcionar e em particular dos agricultores" e pensar no reordenamento da floresta, de forma a prevenir que situações destas venham a ocorrer no futuro. Para o primeiro-ministro, é preciso "reforçar os poderes dos municípios e pôr termo à liberalização da forma como têm sido feitos os plantios", para que uma floresta "mais ordenada, mais sustentável" se torne "uma fonte de valorização do território, de rendimento, que contribua para o crescimento da economia", e não volte a ser "uma ameaça às populações, aos seus bens e à segurança".     

 

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