O que pode a tecnologia fazer pelas pessoas mais velhas?

Casas inteligentes; dispositivos móveis para monitorizar o estado de saúde; sensores concebidos para medir parâmetros bioquímicos e sinais vitais; robótica destinada a gerir a toma de medicação: exemplos que podem melhorar a qualidade de vida quando envelhecemos

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O envelhecimento populacional afigura-se como uma das transformações sociais mais significativas do século XXI. As Nações Unidas estimaram que a população mundial com 60 ou mais anos registará um aumento de 56% entre 2015 e 2030 (UN, 2015), ao mesmo tempo que se espera um crescimento ainda mais acelerado do número de pessoas ‘mais velhas entre as mais velhas’ [‘oldest-old’], isto é, de pessoas com 80 ou mais anos.

Ainda que, em parte, esta tendência se deva a uma das inegáveis conquistas do século XX – o aumento da esperança média de vida à nascença, resultante do incremento das condições de vida das populações – é sabido que, em conjunto com outros factores, também significa um aumento das doenças crónicas. A prestação de cuidados às pessoas mais velhas tem vindo a transformar-se num desafio crescente para os sistemas de saúde e famílias/cuidadores informais. Associada a esta tendência demográfica, está a emergência de conhecidos desafios políticos, económicos e sociais, que forçam os Estados a pensar políticas eficazes e económicas que promovam o envelhecimento saudável, independente e em comunidade durante o máximo de tempo possível (AAL Programme, 2014; UN, 2015).

A discussão dessas políticas tem-se focado nas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC, que incluem o computador, a Internet e o telemóvel), mais precisamente nas tecnologias Ambient/Active Assisted Living (AAL). O investimento nestas tecnologias tem sido recomendado em inúmeros documentos estratégicos (e.g. AAL Joint Programme, 2015; European Innovation Partnership on Active and Healthy Ageing, 2016; Estratégia Nacional para a Inclusão e Literacia Digitais 2015-2020).

Ambient/Active Assisted Living, o que é?

A maioria das pessoas mais velhas prefere permanecer na sua casa, na sua comunidade – desde que sejam capazes de manter um nível desejado de autonomia e de bem-estar. O conceito de Ambient/Active Assisted Living (AAL) corresponde a um novo paradigma que explora as potencialidades de dispositivos computacionais ubíquos – isto é, a ideia básica de que a computação se insere na vida quotidiana das pessoas – assim como de novas formas de interação para uma vivência independente e em comunidade, contribuindo para que se evite/adie a institucionalização (Wichert & Eberhardt, 2011).

Estas soluções tecnológicas fazem uso de sensores, dispositivos e sistemas de comunicação desenhados para apoiar as pessoas mais velhas no desempenho das suas actividades do dia-a-dia (Lewin et al, 2010). Casas inteligentes, dispositivos móveis para monitorizar o estado de saúde ou a localização dos indivíduos; sensores concebidos para medir parâmetros bioquímicos, de movimento e sinais vitais; robótica destinada a gerir a toma de medicação, ingestão e preparação de alimentos são exemplos de soluções tecnológicas deste cariz (Rashidi, 2013). 

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Estas tecnologias podem ter um propósito preventivo (por exemplo, na prevenção de quedas), ou de compensação e assistência em casos de perda de funcionalidade (por exemplo, softwares para reabilitação física ou cognitiva). E podem beneficiar a três níveis: 1. Individual, a pessoa mais velha e seus familiares/cuidadores informais; 2. Económico, no sentido de maior eficiência na alocação de recursos, por exemplo, na prestação de cuidados de saúde; e 3. Social, possibilitando uma maior participação das pessoas mais velhas.

Não se pretende, com as aplicações tecnológicas especializadas, substituir o cuidado ou a interação humana, claramente insubstituíveis. Antes, minimizar as dificuldades colocadas à prestação de cuidados informais e formais, esperando-se efeitos positivos não só na qualidade de vida das pessoas mais velhas mas também na dos seus cuidadores.

Combinação improvável?

Ainda que seja verdade que a utilização das TIC é menor entre pessoas mais velhas – a reduzida literacia informática é ainda um desafio considerável nesta faixa etária – tem vindo a ser demonstrado que é redutor pensar a idade, por si só, como preditora da utilização de tecnologias. Além de que a tendência de utilização de tecnologias por pessoas mais velhas tem vindo a alterar-se. Os dados Europeus de 2016 demonstram que 57% das pessoas com idades entre os 55 e os 74 anos utilizavam a Internet pelo menos uma vez por semana, o que representa um aumento significativo face a 2004, ano em que apenas 7% das pessoas deste grupo etário utilizavam a Internet (Eurostat, 2017). Também em Portugal o Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias de 2016 (INE) reporta uma taxa de utilização da Internet de 47% para a faixa etária dos 55 aos 64 anos e de 28% para a faixa etária dos 65 aos 74 anos, o que representa um aumento de 18,7% e de 15,5%, respectivamente, face a 2011. Actividades como consultar notícias ou pesquisar por informação relacionada com a saúde são as mais desempenhadas online por este grupo etário (Eurostat, 2014).

Próximos passos

Apesar de existirem algumas barreiras à adopção destas soluções tecnológicas, parece incontornável que o futuro passe, em alguma medida, pela sua utilização. Sabe-se que se as pessoas mais velhas reconhecerem, nestas soluções, benefícios para as suas vidas, sentir-se-ão motivadas a (aprender a) utilizá-las. E deve ser descontruída a ideia generalizada da pessoa mais velha ‘tecnofóbica’, com receio/recusa em utilizar soluções tecnológicas, uma vez que esta concepção tende a influenciar a prescrição/recomendação de tecnologias por parte dos profissionais de saúde ou da área social às pessoas mais velhas (Clark & McGee-Lennon, 2011; Nedopil et al., 2013; Sponselee et al., 2007).

Uma maior adesão a estas tecnologias depende também da sua adequação às necessidades e requisitos das pessoas mais velhas e dos seus cuidadores. É fundamental que se consciencialize o público em geral para a existência destas soluções e para os seus potenciais efeitos positivos. Este é, aliás, um dos objectivos do projeto Europeu ActiveAdvice (http://project.activeadvice.eu/) que conta com a participação do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS) e do centro de investigação CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde. O projecto disponibilizará uma plataforma europeia onde as pessoas mais velhas e os seus familiares poderão encontrar produtos e serviços AAL e obter aconselhamento acerca das soluções mais adequadas às suas necessidades particulares.

Psicóloga/CINTESIS-ICBAS-UP/CA+

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