O nosso mar é um deserto

Há alguns corajosos, indefectíveis, que continuam a pregar sobre a importância do mar. Mas isso não chega para mudar o cenário geral: O mar em Portugal é quase um deserto.

Portugal começou ontem uma discussão científica nas Nações Unidas sobre o futuro dos seus recursos. Em discussão está a extensão da plataforma continental, mas ela tem de motivar uma outra conversa, esta dentro do país.

A Zona Económica Exclusiva tem uma imensidão de recursos na água e no fundo do mar. A plataforma continental alargada, a ser reconhecida, permitirá a Portugal aceder a recursos no leito e no subsolo marinho que darão ao país uma importância estratégica determinante no futuro – caso a saibamos utilizar. Este esforço científico em prol do país tem sido feito na sombra, com pouco ou nenhum reconhecimento e sem que se concretizem as promessas sempre adiadas da promoção do mar como destino nacional.

Desde pelo menos a Expo’98 que andamos a ouvir que o nosso destino é o mar. São vinte anos de slogans mais ou menos criativos com poucas concretizações. Já todos ouvimos um milhão de vezes que Portugal tem no mar um desígnio nacional. Já houve conferências, conselhos de ministros, recomendações, estudos, investimentos, experiências. Há consenso sobre o nosso destino marítimo e há, coisa rara, uma visão transversal e independente da cor partidária sobre este projeto.

Depois disto tudo, continuamos a não nos cumprir. Em 2006, foi lançada com pompa e circunstância a Estratégia Nacional para o Mar. Três anos depois, Ernâni Lopes desenvolveu um estudo sobre o hypercluster do mar, em que defendeu todas as ideias que hoje estão ainda por implementar. O economista também considerava que a primeira década do século foi completamente perdida, nesse e noutros desígnios. Já está outra década quase a terminar, e do mar continua a ver-se pouco. Há investimento nos portos, há uma aposta no surf e há uma gestão corrente nas pescas. É muito pouco para o que poderia ser.

De uma forma geral, o panorama é desanimador. Quase não há estudos, investigadores, apoios públicos e interesses privados, empreendedores, estruturas. Nas escolas, não se ensina para o mar. Não se explora o potencial científico e tecnológico, a não ser em dois ou três nichos muito localizados. Há alguns corajosos, indefectíveis, que continuam a pregar sobre a importância do mar. Mas isso não chega para mudar o cenário geral: O mar em Portugal é quase um deserto.

O trabalho que está agora a ser apresentado às Nações Unidas é sério e sólido. Implicou anos de esforço da comunidade científica e um investimento que não teve eco noutras áreas. Se for aprovado, será um passo tremendamente importante para a afirmação internacional do país. Mas se for aprovado e nada for feito, será só risível. A responsabilidade é de todos nós.

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