O frio danado

Onde quer que se juntem resistentes trocam-se histórias do gelo. De Lisboa, Joana denuncia granizo e cinco míseros graus centígrados. Em Cascais a Sara só fala no "primafrio". Aqui em Colares as poças onde se chapinha durante as fugas apressadas aos vendavais e às agulhadas de chuva estão cheias de salamandras siberianas (Salamandrella keyserlingii) preparadas para sobreviver ao congelamento durante vários meses. As salamandras são mentira mas o resto é verdade.

Aqui os ditados não perdoam. Dizem os especialistas que este frio é o pagamento justo daquele dia de calor que impensadamente gozámos em meados de Março. Para mais, ainda falta bater muito com os dentes para saldar a dívida.

"Carnaval na rua, Páscoa em casa": assim avisa o povo. Somos nós - os foliões embriagados que desfilaram de bermudas pelas ruas a entoar cantigas de praia - que agora temos de pagá-las na carne.

"Primavera? Qual primavera? Enfia a cabeça na manta alentejana e vai ao sotão reaver o edredon". Em todas as casas o tremer das extremidades transmite-se às paredes onde a chuva escorre ao lado da humidade em acirrados despiques para ver quem chega mais depressa ao soalho. É interrompida a ligação sanguínea aos pés.

Os turistas deambulam em transe pelo que resta das praias. Já não estão à espera de explicações. Nem desculpas aceitam. As ondas rasgam-se de lés a lés, tentando sacudir o dilúvio de água doce.

É chegado o primeiro fim-de-semana da primavera de 2017. As gaivotas tossem de repugnância. Eheu, eheu, Portugal!

 

 

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