Novas orientações para o pré-escolar são claras: crianças não devem ser classificadas

Como devem progredir e o que devem saber as crianças entre os 3 anos e o ingresso no 1.º ciclo? As novas orientações para o pré-escolar estão a ser apresentadas neste sábado.

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Autoras da revisão analisaram dezenas de orientações curriculares que existem noutros países Enric Vives-Rubio

Nem “classificação da aprendizagem da criança”, nem “juízo de valor sobre a sua maneira de ser”. As Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, que revêem as que estavam em vigor desde 1997, e estão a ser apresentadas neste sábado, são claras. Os jardins-de-infância não servem para classificar meninos.

Há quem o faça, criticou a sindicalista da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Júlia Vale, num dos períodos de debate da conferência de apresentação das orientações, que reúne durante todo o dia educadores de vários pontos do país, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E deu um exemplo de um agrupamento de escolas onde os educadores “são obrigados a preencher uma grelha com as percentagens de conhecimentos” que cada criança adquire.

Mas também há quem se sinta confuso. Durante a apresentação do documento, (que se destina a enquadrar a educação das crianças dos 3 anos até ao início da escolaridade obrigatória), a responsável de um jardim-de-infância de Lisboa questionou: “Como é que vou comunicar aos pais, ou à escola do 1.º ciclo, quando as crianças transitam do pré-escolar, como está a criança? Como se operacionaliza isto, se não pode haver classificação de aprendizagens nem juízos de valor, segundo o documento com as orientações?”

Isabel Lopes da Silva, que já tinha participado na elaboração das orientações de 1997, e coordenou agora a equipa responsável pela revisão, respondeu: “Os ritmos do desenvolvimento das crianças são diferentes, o que importa é o progresso que fazem.”

O documento das Orientações Curriculares, divulgado na manhã deste sábado, acrescenta: “avaliar os progressos das crianças consiste em comparar cada uma consigo própria para situar a evolução da sua aprendizagem ao longo do tempo"; a avaliação tem de ser “formativa”; a criança deve ser evolvida, “descrevendo o que fez, como e com quem, como poderia continuar, melhorar ou fazer de outro modo”.

E prossegue: “A definição de objectivos desejáveis ou esperáveis será, eventualmente, utilizada como uma referência para situar e descrever o que a criança aprendeu e a evolução dessa aprendizagem, ou, ainda, para alertar o/a educador/a da necessidade de reformular a sua intervenção, de modo a incentivar os progressos de todas e cada uma das crianças. Uma avaliação sumativa que quantifica ou estabelece níveis de aprendizagem não se enquadra nesta abordagem de avaliação formativa.”

São exemplos deste tipo de avaliação que se pretende “a construção de portefólios ou histórias de aprendizagem, em que a criança é envolvida na selecção de trabalhos, imagens e fotografias que fazem parte desse registo”.

Apesar de o anterior documento orientador não prever uma avaliação quantitava neste nível de educação, a verdade, como disse uma das conferencistas da tarde, Maria João Cardona, da Escola Superior de Educação de Santarém, é que a publicação, há uns anos, de "metas" de aprendizagem fez com que se corresse "o risco de que estas fossem interpretadas" como legitimando outras formas de avaliação.

Entra a Educação Física

As novas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar definem que competências devem ser adquiridas pelas crianças entre os 3 anos e a entrada na escolaridade obrigatória — o pré-escolar é considerado como “a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida”.

A iniciativa de rever as orientações de 1997 foi do anterior ministério da Educação que, em 2014, convidou Isabel Lopes da Silva a coordenar uma equipa (que inclui Liliana Marques, Lourdes Mata e Manuela Rosa) para avançar com a tarefa.

Há algumas novidades, descreveram as autoras neste sábado: por exemplo, é criado um novo domínio da Educação Física, quando no documento de 1997 se falava apenas de expressão motora.

Também se passa a falar de "Educação Artística" (Artes Visuais, Jogo Dramático/Teatro, Música e Dança), quando dantes se falava de expressão dramática, plástica e musical.

Mantêm-se as três grandes “áreas de conteúdo” — Área de Formação Pessoal e Social, Área de Expressão e Comunicação (onde entra desde “a construção de conceitos matemáticos e relações entre eles”, à linguagem oral e abordagem à escrita), e Área do Conhecimento do Mundo (onde se faz a “sensibilização às diversas ciências”). Mas, sustenta Isabel Lopes da Silva, há uma “maior explicitação e reforça-se a perspectiva integradora de todas as áreas”.

Formação de educadores

Pedro Cunha, subdirector-geral da Educação, garantiu que está prevista a formação de educadores para as novas orientações. E sublinhou: "Este é agora o documento de referência do pré-escolar."

Lopes da Silva explicou que a feitura do documento foi muito participada e muitos educadores de infância foram envolvidos. Foram analisados, entre outros, o inquérito nacional a educadores de 2002, sobre as orientações de 1997, uma avaliação feita pela Universidade do Porto, em 2014, vários estudos e recomendações da OCDE sobre esta etapa da educação, mais de 30 currículos e documentos orientadores de vários países do mundo.

A coordenadora da equipa sublinhou a importância da "flexibilidade": as orientações são para serem adaptadas "em função das características dos grupos de crianças" que o educador tem à sua frente e da diversidade dos mesmos.

Durante a parte da tarde a temática da avaliação das crianças continuaria a ser aquela que mais questões suscitava entre os participantes na conferência. "Estou muito preocupada, há directores que dizem para classificar crianças?”, questionou Helena Pedroso, da Confederação Nacional das Associações de Pais, admitindo que haverá muitos pais que acham importante que os filhos tenham uma nota.

"Cuidado, daqui a pouco estamos a chumbar meninos e meninas no pré-escolar", disse Maria João Cardona. "Aliás, já acontece adiar a passagem dos meninos e das meninas" para o 1.º ciclo, "por falta de maturidade, com o consentimento das famílias", afirmou. Maria João Cardona não entende o que isso é, nem como é possível que se faça. "Claro que ninguém aqui está contra a avaliação, temos que pensar é como é que se faz. O documento [das novas orientações] está muito bem feito, mas pode ser preciso que seja complementado."

No encerramento da conferência, o secretário de Estado da Educação, João Costa, sublinhou a necessidade de se olhar para o pré-escolar como modelo de inspiração do modelo de avaliação a adoptar nos anos que se seguem a essa etapa: "Os meninos podem andar a pé e sentar-se no chão que isso não é um problema de indisciplina grave (...) e ninguém anda obsessivamente a pensar se eles passam ou chumbam, mas apenas se eles aprendem ou não." Contra a chamada formação "back to basics", em que o que mais importante é ler, escrever e contar, o governante explicou que as mudanças na avaliação dos alunos começaram pelo básico (com o fim dos exames finais no 4.º e 6.º anos) "por força de muitas coisas", mas que as mudanças que neste campo estão ser preparadas para todos os ciclos obedecem a um princípio simples: "A avaliação é um processo formativo e se não for formativo não serve rigorosamente para nada."

"É importante que, de uma vez por todas, deixemos de confundir avaliar com classificar", exortou, para explicar que "a classificação é um detalhe neste processo, que pode ou não existir". Assim, o que o Ministério da Educação quer é "conceber a avaliação como um processo reflexivo, que envolve pais e famílias, transparente e que não pode ser standardizado, muito menos no pré-escolar".

A avaliação "não pode ser feita em função da grelha", explicitou João Costa. E, porque "o pré-escolar é um dos principais predictores  do sucesso escolar no 1º ciclo", o governante revelou que o ministério está "com as mãos na massa". "Estamos a trabalhar com a Inspecção-Geral de Educação para poder acompanhar o que se passa nas IPSS (não numa perspectiva de policiamento mas de acompanhamento e de melhoria da acção) e, em conjunto com a secretaria de Estado da Segurança Social, estamos a discutir as questões de tutela pedagógica" de creches e pré-escolar. Com Natália Faria

Actualizado às 18h57: acrescenta declarações do secretário de Estado da Educação, João Costa, na sessão de encerramento

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