Nova estratégia para os sem-abrigo dá prioridade ao alojamento permanente

Plano prevê promoção do acesso à habitação através de programas já existentes ou a criar. E dá preferência a alojamento em habitações individualizadas, como o do modelo Housing First já desenvolvido em Lisboa.

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Marcelo Rebelo de Sousa tem insistido na importância de resolver o problema dos sem-abrigo NUNO FERREIRA SANTOS

Há meses que a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem Abrigo 2017-2023 anda nas bocas do mundo. A primeira versão do documento, que está a entrar no circuito legislativo, contém dezenas de medidas entre as quais sobressai uma aposta na habitação permanente.

Um pouco por todo o país, existem respostas a prazo para pessoas sem abrigo (centros de alojamento temporário, comunidades de inserção e apartamentos de inserção). Como o número de camas não chega para as necessidades, recorre-se a quartos em pensões ou em casas. Nos últimos anos, Lisboa ensaiou um modelo de habitações individualizadas (Housing First) que garantem alguma estabilidade para intervir.

As organizações que trabalham com pessoas sem abrigo têm reclamado respostas de longo prazo, apontando para fogos que pertencem ao Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana e às autarquias. E, agora, no rol de medidas já reveladas pela secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, está “a promoção do acesso à habitação recorrendo a programas existentes ou a criar, privilegiando respostas para indivíduos e famílias, priorizando alojamento permanente em habitações individualizadas (Housing First ou outros modelos)”.

A avaliação da estratégia 2009-2015, divulgada em Março, recomendava que não se fizessem “alterações de fundo”, mas que se potenciasse “o trabalho realizado”. Grande parte do que lá está ficou por fazer, até porque em 2013 foi interrompido o trabalho do grupo que a deveria pôr em prática. Cláudia Joaquim esteve no Parlamento em Abril a explicar que a ideia é “consolidar os eixos e os objectivos” que vêm de trás. E reformular a estratégia “naquela que terá sido a sua componente mais frágil” – a de monitorização, acompanhamento e coordenação.

A nova estratégia terá três eixos. O primeiro destina-se a aumentar a informação, a sensibilização e a educação sobre o fenómeno. O segundo traduz-se no “reforço de uma intervenção promotora de integração das pessoas sem abrigo”. E o terceiro, que é novo, foca-se na coordenação, monitorização e avaliação.

A velha estratégia promoveu um conceito único de pessoa sem abrigo – toda aquela que se encontra “sem tecto (vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário) ou sem casa (encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito)”. A nova estratégia prevê que esse conceito seja adoptado pelos censos de 2021.

Ninguém tem de ficar na rua mais de 24 horas

Mantém-se o objectivo: que “ninguém tenha de permanecer na rua por mais de 24 horas” – a menos que queira. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem dito que é possível e acredita que não está sozinho. “O primeiro-ministro [António Costa] foi presidente da câmara [de Lisboa], percebe perfeitamente que o problema é resolúvel na parte substancial”, disse, na segunda-feira, ao PÚBLICO, na comunidade de inserção da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

O compromisso acarreta aumentar o número de Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem Abrigo (NPISA). Neste momento, há 17 – Almada, Amadora, Aveiro, Braga, Cascais, Coimbra, Espinho, Évora, Figueira da Foz, Faro, Lisboa, Loures, Oeiras, Porto, Santarém, Seixal, Setúbal.

O documento, que desde segunda-feira circula dentro e fora da Segurança Social, aponta também para maior articulação entre parceiros. Reafirma a necessidade de formação especializada e contínua para técnicos. Reclama um número adequado de equipas de rua e “organização de equipas de intervenção existentes em equipas de acompanhamento (com supervisão técnica de gestores de caso)”.

Em alguns NPISA, já há gestores de caso. Esta é “provavelmente uma das medidas em que mais devemos apostar”, adiantou Cláudia Joaquim. “O gestor de caso deve ser aquele técnico que conhece aquela pessoa sem abrigo e que mais condições tem de se articular com todas as pessoas, todas as entidades”, disse. Isto para, primeiro, tirar a pessoa da rua, depois, acompanhá-la até à inserção social.

Mais prevenção

Haverá um reforço da atitude preventiva. Volta a prever-se que ninguém seja “desinstitucionalizado sem que tenham sido accionadas todas as medidas necessárias para lhe garantir um lugar adequado para viver”, mas, desta vez, para além de apoio técnico à saída de alojamentos temporários e maior articulação com os serviços prisionais, anunciam-se bolsas de alojamentos locais.

A inserção, o caminho indicado pela estratégia, obriga a “criar soluções de alojamento disponibilizando habitações de propriedade pública e privada para arrendamento directo ou mediado”. Implica também “disponibilizar soluções de capacitação, educação, formação profissional e inserção profissional, assegurar o acesso a medidas de protecção social” e a cuidados de saúde.

Do documento consta a “criação e/ou adaptação de medidas promotoras da capacitação, formação e empregabilidade, a definição dos procedimentos de intervenção dos centros de emprego/formação profissional junto das pessoas sem abrigo” e “a construção de um plano de formação especializada, designadamente para os técnicos das entidades que integram os NPISA”.

Mais medidas na Saúde

A saúde também merece atenção especial. Prevê-se a “identificação de procedimentos aquando da alta hospitalar para pessoas em risco; a garantia do acesso ao Serviço Nacional de Saúde; a participação das equipas de saúde mental no diagnóstico e na intervenção; o encaminhamento das pessoas sem abrigo com comportamentos aditivos para as estruturas de tratamento adequado”.

Para garantir que a nova estratégia não cai, como a anterior, o documento será aprovado através de uma resolução do Conselho de Ministros. E criar-se-á uma comissão interministerial, que será presidida por um membro do Governo e terá representantes de diversos ministérios. O Governo pretende alargar o número de entidades que fazem parte da Comissão de Acompanhamento. Cláudia Joaquim anunciou que haverá avaliação intercalar e planos de acção, que serão elaborados pelo Grupo de Implementação, Monitorização e Avaliação da Estratégia (com os contributos dos NPISA) e terão de ser sujeitos à comissão interministerial e homologados pelo executivo.

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