Nesta sala, os professores não têm secretária e os conteúdos são problemas para resolver

Espaço Transdisciplinar em Construção (ETC), num centro de formação profissional da Maia, tem tecnologia, áreas para pensar e consolidar matéria. É uma sala que pode ser um posto de trabalho. Venceu um prémio de inovação e vai transformar um contentor numa casa.

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Neste centro de formação profissional da Maia as aulas não seguem o método tradicional Fernando Veludo/NFactos
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A aula começa com um teste de diagnóstico de nove perguntas e limite de tempo para responder, entre dez segundos e dois minutos. Os 16 alunos do 3.º ano do curso de Electricidade do CICCOPN – Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte, na Maia, estão num pequeno auditório de madeira ao fundo da sala. Todos com os olhos postos na televisão onde surgem as questões, todos com dispositivos electrónicos nas mãos, iPads ou telemóveis, para carregarem na cor da resposta que julgam certa.

Filipe de Castro, professor de Físico-Química, lembra que o tema é a qualidade da luz. É preciso confirmar se os conceitos estão assimilados. Seguem-se as perguntas. No vazio, o que acontece à velocidade da luz quando a frequência aumenta? Que lâmpada é esta que surge num pequeno vídeo? Surgem as respostas. “O diagnóstico é feito de uma forma mais rápida. Através de uma folha de cálculo, vemos o que sabem e o que não sabem”, explica o professor, também responsável pela parte pedagógica do Espaço Transdisciplinar em Construção (ETC) do CICCOPN.

O ETC é uma sala com bastante luz natural, não tem secretárias para professores, tem áreas para reuniões, desenvolvimento de conceitos e apresentação de conteúdos, impressoras 3D e apps à disposição e um local de investigação. Na parede, há palavras-chave. “Comunicação” escrita a vermelho, “colaboração” a amarelo, “pensamento crítico” a azul e “criatividade” a verde. Esta sala de aula pode ser um posto de trabalho.

“Os alunos entusiasmam-se e a aprendizagem é isso, é terem de chegar a uma solução, terem de construir alguma coisa”, comenta o docente. Naquela aula, alguns alunos vão para um laboratório, onde se encontra equipamento técnico, para analisarem dez lâmpadas quanto à potência, velocidade e qualidade da luz. Uma tarefa que é acompanhada no ecrã do ETC. 

Rui Moreira, de 21 anos, tem a melhor pontuação na avaliação do início da aula. “Estamos mais entusiasmados e empenhados e não temos um professor atrás de nós”, refere o aluno, que quer especializar-se em instalações eléctricas.

Sala do futuro

No ETC, as aulas não seguem o método tradicional. Os alunos estão sempre ligados em rede, têm tarefas para cumprir e que são descarregadas nos aparelhos electrónicos, procuram respostas para questões que lhes são colocadas. O levantamento de todas as lâmpadas do centro de formação para escolher a melhor iluminação sala a sala, em nome da eficiência energética, tem ocupado os dias dos estudantes do 3.º ano de Electricidade.

Rui Moreira gosta de lidar com a tecnologia enquanto aprende. “É fantástico e, desta forma, chama mais a atenção. Há mais comunicação e colaboração entre nós e as coisas resultam muito bem.”

O ETC é um espaço repleto de tecnologia que não se nota à vista desarmada, uma espécie de sala do futuro focada na aquisição de competências para o mercado de trabalho. E que não passou despercebida. No final de Março, venceu o Prémio Criatividade e Inovação na Formação 2016 no III Congresso Nacional da Formação Profissional, que teve lugar em Lisboa. A sala, em termos tecnológicos, assenta na utilização de iPads e comunicação sem fios e, dessa forma, o espaço de aprendizagem não se resume a um sítio fechado, estende-se a todo o campus de formação. As pesquisas são feitas em aplicações como o iTunes U e há momentos para visualizar aulas do MIT ou de outros centros de formação espalhados pelo mundo. As vantagens são evidentes: criam-se fóruns de discussão com alunos de outras nacionalidades, abrem-se oportunidades para praticar uma segunda língua, provoca-se o contacto com outras realidades. E há ainda um drone que sempre que é preciso é colocado no ar para que os alunos dos cursos de Protecção Civil visualizem simulacros e no auditório discutam algumas questões como, por exemplo, maneiras de combater fogos em edifícios com muitos andares.

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Marcos Ferreira, 18 anos, está a preparar um tellagami, apresentação animada com um avatar que reconhecerá e falará com a sua voz, sobre o que é um led. “É uma forma muito boa de dar outro entendimento aos alunos do que pode ser o ensino”, comenta. O ensino não tem de ser uma coisa chata, na sua opinião. “A interacção é vital neste tipo de ensino, colaboramos, vemos o que precisamos. Sabemos o que temos de fazer, organizamo-nos e trabalhamos como uma equipa”, conta. Marcos, que no futuro quer trabalhar na área da energia eólica, garante que se trabalha a sério nesta sala virada para o futuro. “Dá mais trabalho, mas ficamos mais motivados. E o que fazemos está directamente relacionado com a nossa avaliação.”

O colega Tiago Diogo, 17 anos, concorda. “É preciso mais esforço do que o que parece”, diz. “É um trabalho mais interactivo e estas aulas são sempre mais gratificantes.” Tiago e Marcos andam à volta do tellagami. “Não digo que já domino esta tecnologia, mas vou dando uns toques”, atira Tiago, que pondera seguir um curso de ensino superior ligado à electricidade.

Criatividade e inovação

O ETC começou a ganhar forma em Janeiro deste ano e está agora com uma equipa-piloto para, em breve, arrancar com um projecto de três anos que envolverá alunos dos 15 aos 25 anos, do 10.º ao 12.º. A ideia já está definida. Um contentor marítimo será colocado no exterior do centro de formação para ser transformado numa casa auto-sustentável com apenas um ponto de água. O objectivo é envolver todas as disciplinas nesta missão.

“A orientação metodológica é que os conteúdos sejam sempre trabalhados em forma de problema”, adianta Filipe de Castro. O que significa um trabalho contínuo, formações de professores, atenção a várias matérias, definição de um projecto, sair fora de um ensino tradicional e formatado. “É um exercício ao contrário, quando fui formatado para dar aulas.” Agora apela-se à criatividade, à inovação.

O ETC envolve todos os docentes nos projectos e foca-se numa dinâmica de produção de conteúdos. “Os professores definem e planificam, em reuniões prévias, o projecto transversal a todas as áreas do saber, que é trabalhado e adaptado, em simultâneo, aos conteúdos das diferentes disciplinas.” “No espaço de aprendizagem, os alunos são estimulados a transferir todos os conceitos que aprenderam nas aulas de física, matemática, português, inglês ou desenho, para o projecto”, acrescenta.

Ainda este ano, serão produzidos os próprios manuais multimédia com recurso aos iBooks e que serão disponibilizados gratuitamente aos alunos. No ETC, não se vêem livros em cima das mesas, mas os apontamentos que os alunos escrevem em cadernos, que podem ser digitalizados, contam 10% para a avaliação. “Em todas as matérias, têm de escrever, tirar notas, porque sabem que aquele documento é importante para a sua aprendizagem”, adianta o professor. 

Cláudia Pinto, professora de Electrónica e Electricidade, também questionou as suas práticas baseadas no cumprimento do que está estipulado. Chegou a recear que, ao dar mais liberdade aos alunos, as coisas não corressem bem. Enganou-se. Sente-os mais motivados, já não olham para os relógios 20 minutos antes de a aula terminar. “Em vez de irmos pelo caminho tradicional, propomos projectos e os resultados são diferentes. É ouro sobre azul. Trabalhamos algumas competências, agregamos conteúdos, fazemos as coisas em projecto e fez-se luz.” E todo o centro é um espaço de aprendizagem. “Os alunos podem ir a qualquer lado para resolver um problema.”

Os dois professores estão satisfeitos com o ETC, que querem que seja um espaço em permanente construção. “É estimulante, como professor, ver estes alunos no final dos projectos satisfeitos e realizados por terem ‘criado’ estruturas, peças ou conteúdos que são aplicáveis e funcionais em diferentes contextos e situações”, refere Filipe de Castro. O que pode ser determinante no futuro. “Esta dinâmica de procurar encontrar soluções, ganhar essa capacidade, será uma valia imensa quando forem para o mercado de trabalho”, conclui.

 

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