Morreu o padre Joaquim Carreira das Neves

Era padre franciscano e, aos 83 anos, um dos nomes mais importantes dos estudos bíblicos em Portugal.

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Joaquim Carreira das Neves tinha 83 anos Sara Matos

O padre franciscano Joaquim Carreira das Neves, um dos nomes mais importantes dos estudos bíblicos em Portugal, morreu esta sexta-feira em Lisboa aos 83 anos, informou a agência Ecclesia. Para trás ficou uma vida dedicada ao estudo da Bíblia, marcado por "um rigor teológico imenso", como disse ao PÚBLICO a teóloga Teresa Toldy. Para esta antiga aluna, Carreira das Neves "era acima de tudo um homem livre, que nunca se deixou condicionar por pressões para não dizer coisas que fossem eventualmente entendidas como ameaçando uma ortodoxia mais radical".

Em 2011, numa entrevista à Ecclesia, o religioso franciscano falou da sua luta contra o cancro, que o deixara várias vezes “às portas da morte”. “Nós somos um todo, matéria e espírito. Se tivermos boa disposição, se não nos agarrarmos à nossa doença mas nos agarrarmos à vida, com esperança, com fé, mais facilmente se leva a vida”, referiu então. 

"Biblista incansável", conforme o descreveu em tempos Frei Bento Domingues, publicou várias obras científicas e de divulgação. Foi, entre muitas outras, autor de obras como Condição Humana sem Pecado Original (Ed.Presença), e iria participar, no próximo dia 2 de Maio, num debate sobre o tema Francisco Papa: Líder Político-Moral Global, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que assinala o lançamento da obra Francisco: Desafios à Igreja e ao Mundo, da autoria do seu amigo de longa data, Anselmo Borges.

"Era um homem simples", descreve-o Anselmo Borges. "Nunca fez carreira porque não quis, aliás, recusou duas vezes ser bispo", confidencia Borges, para lhe elogiar a "honestidade intelectual" e a "profunda generosidade e capacidade para acolher todos, independentemente da religião ou posição ideológica".   

Nascido a 26 de Junho de 1934, na Caranguejeira, em Leiria, Joaquim Carreira Marcelino das Neves foi ordenado sacerdote a 13 de Julho de 1958. Depois disso, licenciou-se em Teologia em Roma, doutorando-se mais tarde, em 1967, em Teologia Bíblica na Universidade Pontifícia de Salamanca sobre a teologia na tradução grega dos setenta.

De pensamento pouco condizente com a ortodoxia dos sectores mais conservadores da Igreja, o biblista saudou, por diversas vezes, as mudanças que têm vindo a ser introduzidas por Francisco, ao considerar, por exemplo, que impedir os divorciados recasados para comungar era como "convidá-los para o banquete e recusar-lhes a comida".

Para além do estudo sobre os textos evangélicos, o padre Carreira das Neves, que era membro da Academia de Ciências de Lisboa, desenvolveu investigações sobre Jesus e a Cristologia das primeiras comunidades cristãs. Na última lição pública, em Outubro de 2005, que assinalou a sua jubilação académica, apontou a New Wage (que ajudava a explicar o boom literário de obras como O Código Da Vinci) como o maior desafio ao cristianismo, na medida em que remete para o gnosticismo que existia nos primeiros tempos do cristianismo e negava a dimensão histórica de Jesus.  

Entre isto e a necessidade de a Bíblia não poder ser tomada como um absoluto, arriscando tornar-se "uma tirania, à maneira do Alcorão de certos fundamentalistas islâmicos", Carreira das Neves entreteve-se a desmontar algumas ideias feitas sobre os evangelhos, defendendo, por exemplo, a tese de que nada leva a crer que tenha havido a "matança dos inocentes" decretada por Herodes. 

A vida e obra do religioso, membro da Academia das Ciências de Lisboa, estão no centro do livro O coração da Igreja tem de bater - Um biblista confessa-se, que resulta de uma entrevista ao jornalista e antigo colaborador do PÚBLICO António Marujo.

O funeral do professor de Teologia Bíblica vai ser presidido pelo cardeal-patriarca este sábado, às 10h00, no Seminário da Luz, em Lisboa.

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