Director escolar exonerado por nomear mulher com aval da tutela

Era a professora mais qualificada para ser subdirectora de agrupamento em Montalegre. DREN garantiu ao marido que nomeação era legal. Foi visado disciplinarmente e exonerado. Caso está em tribunal e director exige respostas do ministro.

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Paulo Alves foi suspenso durante oito meses Paulo Pimenta

Foi precisamente há um ano, em Julho de 2016, que o ex-director do Agrupamento de Escolas Dr. Bento da Cruz, em Montalegre, Paulo Alves, foi exonerado e suspenso das funções de docência por oito meses. Motivo? Tinha nomeado a sua mulher, professora no mesmo agrupamento, para o cargo de subdirectora do estabelecimento de ensino.

A decisão valeu-lhe um processo disciplinar que veio a abrir a porta à sua exoneração por ter tomado, considerou-se, uma decisão "ilegal. Problema? Paulo Alves só nomeou a mulher para aquele cargo porque a Direcção-Regional de Educação do Norte (DREN), tutelada pelo Ministério da Educação, lhe disse que o poderia fazer.

Paulo Alves recorreu primeiro à justiça com uma providência cautelar e a acção principal resultante desta mantém-se. Agora, Paulo Alves exige ao actual ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que em Agosto de 2016 o suspendeu das funções durante oito meses, que apresente publicamente os motivos e as decisões judiciais que invocou para o afastar do cargo. Se não o fizer, garante, procederá criminalmente contra o governante “por ter mentido”.

“Desconheço em absoluto qualquer decisão judicial que tenha condenado a minha acção enquanto director do agrupamento; desconheço em absoluto qualquer acção disciplinar [além do processo que ditou a exoneração] que, entretanto, me tenha sido instaurada”, escreve o ex-director numa carta dirigida ao ministro.

“Vai ser muito difícil ao sr. ministro tornar públicas as decisões judiciais que usou para me afastar por uma razão simples: esses documentos não existem e os dois processos de inquéritos que decorreram na escola foram arquivados e o sr. ministro sabe que foram arquivados e sem nenhuma sanção”, disse ao PÚBLICO Paulo Alves.

O caso já se arrasta há vários anos. Começou em Dezembro de 2011, quando Paulo Alves nomeou Graça Martins, sua mulher, para subdirectora do agrupamento – que era então a professora com mais currículo e qualificações para o cargo.

Na altura de constituir a equipa directiva o ex-director afirma que se declarou impedido de a nomear para subdirectora pelo facto de ser sua mulher e colocou a questão à DREN.

“Solicitei ao director da DREN informação acerca da existência ou não de qualquer ilegalidade, tendo em conta o Código do Processo Administrativo, de enquanto director, recentemente eleito, nomear o cônjuge para o cargo de subdirector ou adjunto de director”, relata. A resposta chegou no dia seguinte.

“A DREN, informou-me de que, à luz do disposto no artigo 44.º do Código do Procedimento Administrativo, não se verificava a existência de qualquer incompatibilidade na referida nomeação, desde que cumpridos os requisitos previstos no número 5 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril”, ou seja, que a subdirectora seja professora da escola, disse o ex-director.

"Acto ilegal"

É já em Dezembro de 2014 que tudo se complica. O então director recebe, por fax, uma notificação assinada pelo director-geral dos Estabelecimentos Escolares, José Alberto Duarte, para “substituição do seu cônjuge como subdirectora por se tratar de um acto ilegal”. Um mês depois, em Janeiro de 2015, o inspector-geral da Educação e Ciência, Luís Capela instaura-lhe um processo disciplinar. Paulo Alves exonera então a mulher que é actual directora do agrupamento. Foi eleita em conselho geral no final do ano passado.

“Como foi possível o ministério abrir um processo disciplinar contra mim por ter feito a nomeação se a autorização foi-me dada pelo próprio ministério?”, insurge-se. Na sequência do processo, o ministério aplica-lhe, já em 2016, uma sanção disciplinar. Paulo Alves não se conforma e apresenta então uma providência cautelar em tribunal com o objectivo de suspender a execução da sanção.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela aceita a providência cautelar, mas o ministro ao ser notificado pelo tribunal opõe-se e utiliza a figura jurídica da “resolução fundamentada”, dizendo que “por razões de interesse público a sanção disciplinar de suspensão graduada em 240 dias de sanção acessória” à “cessação da comissão de serviço tem de ser executada”.

Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Educação afirma que “o processo disciplinar instaurado a João Paulo Alves (…) resultou de inúmeras queixas sobre irregularidades por aquele dirigente cometidas na gestão do agrupamento”. “Após a devida investigação, as mesmas foram provadas como efectivamente praticadas e devidamente sancionadas, sem que, no conjunto das condutas que lhe são imputadas, conste qualquer facto relacionado com a nomeação da sua mulher para subdirectora do agrupamento”, acrescenta o ministério.

“Ao longo do meu mandato, que começou em Dezembro de 2011, fui alvo de perseguição política e só isso explica que o ministro da Educação tenha invocado o interesse público para me afastar do cargo, sem qualquer fundamento, recorrendo, inclusivamente, à mentira”, responde o docente.

Num primeiro momento, no âmbito da providência cautelar que o tribunal aceita, o juiz declara “nulo” o acto de exoneração, mas depois a tutela alegou “interesse público” para o cumprimento da sanção.

Paulo Alves já não está actualmente a cumprir a sanção, ao contrário do que disse o ministério. O ex-director já se apresentou ao serviço em Março, encontrando-se actualmente de baixa médica.

“Perseguição tem conivência das cúpulas do PS”

Para além dos danos que a sanção lhe provocou, o professor de Matemática afirma ainda que o seu processo de exoneração representa a “mais maquiavélica perseguição político-partidária que se pode fazer a alguém”. Só assim se justifica que, tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela aceitado a providência cautelar, o sr. ministro venha invocar o interesse público baseado em factos falsos para me afastar do cargo.” “A perseguição político-partidária que me fizeram decorre do facto de ser militante do PS e apoiante de António José Seguro”, acusa.

Quanto à questão da notificação da sua exoneração, o ex-director nega que alguém o tenha feito e garante ter conhecimento dela pelo Diário da República uma semana depois de o despacho ter sido publicado (9 de Junho de 2016). O curioso, diz Paulo Alves, é que “a subdirectora-geral dos Estabelecimentos Escolares [Manuela Faria], que assinou o despacho da exoneração, não tinha competência para o fazer”.

No dia seguinte, apresentou a providência cautelar e mais tarde fez chegar uma queixa-crime ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa contra Manuela Faria, acusando-a de ter mentido. “Disse que não foi possível notificar-me pessoalmente por ausência do serviço, nem notificá-lo por carta registada e isso é mentira”.

“Tudo isto faz parte de uma longa campanha de perseguição contra mim”, denuncia o docente, precisando que duas semanas depois de ter sido empossado foi alvo da primeira inspecção, “e muitas outras se seguiram” ao longo do mandato. A sua convicção é que “toda esta trama conta com a conivência das cúpulas nacionais do PS”.

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