Elas ocupam menos de 30% dos cargos de topo no ensino superior

Mulheres estão em 28,6% dos lugares nas reitorias de universidades e nas presidências dos politécnicos, de acordo com os dados recolhidos pelo PÚBLICO junto de 19 instituições deste nível de ensino.

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Mulheres são a minoria nos cargos de topo das instituições, mas entre os estudantes de licenciatura neste ano lectivo, representam 54,6% Bruno Lisita

Apesar de constituírem a maioria dos alunos do ensino superior e de estarem quase em paridade entre os docentes, as mulheres mantêm uma grande dificuldade em chegar aos cargos dirigentes. Só há três mulheres à frente de instituições do sector e, nos lugares de direcção, há menos de um terço de elementos do sexo feminino, revelam os dados recolhidos pelo PÚBLICO junto de universidades e institutos politécnicos públicos.

De acordo com os números disponibilizados por 19 instituições de ensino superior público, 54,6% de todos os inscritos em licenciaturas no ensino superior neste ano lectivo são mulheres. Este número sobe um pouco mais nos mestrados (58,9%). Entre os docentes, o número de elementos do sexo feminino é menor (42,2% entre as universidades e politécnicos que cederem os seus dados), mas coloca ainda assim as mulheres numa situação quase paritária com os homens.

O cenário muda radicalmente quando se conhecem os dados relativos à presença de mulheres em cargos de chefia. Nas 19 instituições que cederam informações ao PÚBLICO, 28,6% lugares nas reitorias ou presidências de institutos politécnicos (incluindo vice-reitores e vice-presidentes, pró-reitores e administradores das instituições de ensino superior) são ocupados por mulheres. Este número é influenciado positivamente por instituições como o Politécnico de Viana do Castelo e a Universidade do Açores, que têm 60% de mulheres nos órgãos directivos, e a Universidade do Algarve e o Politécnico do Porto, que têm direcções paritárias. Em sentido contrário, os institutos politécnicos de Coimbra e de Tomar não têm nenhuma mulher nos órgãos da presidência.

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No que toca às presidências de Faculdades ou Escolas, as mulheres têm um peso ligeiramente superior (36,9%), mas ainda assim bastante inferior ao lugar que ocupam entre os alunos e professores das instituições de ensino superior.

Portugal é o sétimo país com mais mulheres dirigentes

Estes números são coerentes com o último relatório anual She Figures editado pela Comissão Europeia, que contabilizava 29,8 de mulheres na direcção de instituições de ensino superior em Portugal. Este resultado coloca o país como o sétimo a nível europeu com mais mulheres na liderança deste sector, acima da média europeia (20,1%).

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Para a professora catedrática do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Lígia Amâncio, estamos perante um exemplo do fenómeno conhecido por “tecto de vidro” (“glass ceiling”), que se caracteriza pelo facto de as mulheres, em profissões exigentes, terem dificuldades em atingir os últimos níveis da carreira. “Chegam a uma altura e não conseguem passar mais”, resume esta especialista em questões de género. Para as mulheres que estão na carreira docente, a progressão nas primeiras etapas é feita através de critérios que privilegiam o mérito, motivo pelo qual têm uma presença quase paritária nos primeiros estádios da carreira (ver caixa). Mas quando o acesso aos cargos passa a ser determinado por pessoas, a questão torna-se mais complicada.

Por exemplo, os cargos de reitor de uma universidade são escolhidos por um órgão colegial, o conselho geral, constituído por docentes, investigadores, representantes dos alunos e funcionários, mas também membros da sociedade civil, como empresários ou líderes de associações. “Sempre que há processos de nomeação que passam pela opinião de outros ou por cooptação, são favorecidos os indivíduos do sexo masculino”, explica Lígia Amâncio, lembrando o que acontece com os Prémios Nobel, que são atribuídos quase sempre a homens.

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Rosário Gamboa, que dirige o Politécnico do Porto há sete anos, confirma que no ensino superior “há uma concepção patriarcal da chefia”. “As mulheres têm dificuldade em afirmar-se nos lugares de topo”, acrescenta. A líder do maior politécnico do país não considera, porém, que o sector tenha uma situação distinta do que acontece nos cargos da administração pública ou nas empresas: “esta é uma questão estrutural”.

“As coisas estão a mudar”

“As coisas estão a mudar”, acredita a reitora da Universidade de Évora, Ana Costa Freitas. “Havia um outro modelo de sociedade que está a mudar. As mulheres vão ganhando alguma segurança e estou certa que as que vão liderar instituições vão acabar por ser tantas como as que entram nas universidades ou chegam a professoras”, afirma. É uma visão com a qual Lígia Amâncio não concorda. “Estes processos são sociais”, pelo que não será por haver mais mulheres no ensino superior que elas vão chegar aos cargos de topo. “Se as pessoas quiserem mudar, há maneiras de mudar que não passam por ficar à espera que as coisas aconteçam”.

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Rosário Gamboa e Ana Costa Freitas eram até há pouco tempo as únicas duas mulheres no lugar de topo nas universidades e politécnicos públicos. A estas juntou-se esta sexta-feira a nova reitora da Universidade Católica Portuguesa, Isabel Capeloa Gil (ver entrevista), que sucede no cargo a Maria da Glória Garcia. Estas são quatro das nove mulheres que lideram ou já lideraram instituições de ensino superior. Na lista estão ainda Maria Helena Nazaré e Maria Isabel Tavares, que lideraram em mandatos consecutivos a Universidade de Aveiro, no início deste século. Lurdes Asseiro foi presidente do Politécnico de Santarém, enquanto Maria da Conceição Bento e Maria Filomena Gaspar presidiram às escolas superiores de Enfermagem de Coimbra e Lisboa, respectivamente.

Os dados para este trabalho foram recolhidos pelo PÚBLICO junto de 19 instituições públicas de ensino superior: as universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro, Porto, Minho, Aveiro, Coimbra, Lisboa, Nova de Lisboa, Évora, Algarve e Açores e os institutos politécnicos de Viana do Castelo, Porto, Leiria, Coimbra, Lisboa, Santarém, Tomar, Castelo Branco e Setúbal.

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