O Presidente da República vai ter um cão no Palácio de Belém. A notícia corre desde sexta-feira. Marcelo Rebelo de Sousa será o primeiro Chefe de Estado em democracia a ter um mamífero carnívoro da família dos canídeos como companhia no palácio cor-de-rosa.

O facto não é uma questão de Estado, é apenas um facto fofinho, como demonstra a fotografia do Presidente com o felpudo animal ao colo. O cachorro tem três meses e já tem nome: Asa. Foi oferecido pela Força Aérea.

Falta dizer que Asa é um Pastor Alemão. E é aqui que a questão deixa de ser totalmente fofinha. As associações representativas dos cães de raça portugueses saúdam o facto de Marcelo ter um cão de companhia em Belém, mas lamentam que não tenha sido oferecido ao Presidente um cão de linhagem lusa.

Dizem que seria uma excelente promoção para os animais de origem portuguesa e falam numa “bomba de oxigénio” para as raças que passam por dificuldades, nomeadamente o Castro Laboreiro, que é considerado em vias de extinção.

Mas Marcelo ainda vai a tempo de emendar a mão. É que cinco dos representantes das dez raças portuguesas com reconhecimento internacional ou à espera dele estão disponíveis para oferecer um cachorro ao Presidente.

Mas como é que o cão foi parar a Belém? Ao que o PÚBLICO apurou, o secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello, fez saber aos responsáveis da Força Aérea (FA) que o Presidente desejaria ter um cão no palácio presidencial. A FA acedeu ao pedido. Os dois únicos cachorros na posse dos militares na altura eram pastores alemães, acabando um deles por ir parar a Belém, apenas porque não havia outros para oferecer ao Chefe de Estado.

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A FA, embora tenha cães ao seu serviço, não faz criação, optando por ir ao mercado comprar para depois treinar. Acontece que, por vezes, nascem ninhadas nas suas instalações. Quando isso acontece e a FA não necessita de novos animais, acaba por oferecê-los a quem dê garantias de os tratar bem.

“A força que a Alemanha tem”

Quando, logo no primeiro mandato, Barack Obama anunciou que iria ter um Cão de Água Português na Casa Branca, foi uma festa entre os representantes das raças lusas.

Chegou a estar em cima da mesa a possibilidade de um cão nascido em Portugal ser enviado para Washington, o que acabou por não acontecer. Bo, assim se chama o cão de Obama, acabou por vir de um criador do Texas, embora seja um puro Cão de Água.

Carla Peralta, presidente da Associação para a Protecção do Cão de Água Português, esteve envolvida, juntamente com o Turismo do Algarve, no processo em que foi oferecido um cão nascido em Portugal a Obama. Diz que, desde que se soube que Obama teria na Casa Branca o conhecido cão-pescador, os registos dos animais da raça não pararam de crescer.

Esta criadora não critica o Presidente, mas quem lhe ofereceu o animal. “Não estão a dar valor às raças portuguesas e temos raças espectaculares. Deve ter sido a força que a Alemanha tem em Portugal que levou à escolha”, ironiza.

Se Marcelo quiser, Carla Peralta está disposta a oferecer um cão de água à presidência, mas ficaria igualmente satisfeita se o Presidente escolhesse outra raça lusa.

O Perdigueiro Português é a única raça portuguesa reconhecida internacionalmente que tem como característica fazer a chamada caça de parar. Ou seja, o animal pára firme e hirto frente à presa, especialmente aves, dando assim sinal ao caçador que há caça à vista.

Luís Fonseca, presidente da Associação do Perdigueiro Português, também lamenta que não tenha sido oferecido a Marcelo um cão de linhagem portuguesa.

“Quando se fala tanto da defesa dos produtos portugueses, o Presidente perdeu a oportunidade de ter em Belém um património nacional vivo”, afirma.

Luís Fonseca também está a disposto a oferecer um Perdigueiro à Presidência da República, mas não levava a mal se Marcelo Rebelo de Sousa escolhesse um espécime de outra raça portuguesa. “O Presidente, ao que consta, não é caçador, por isso, se calhar, o Perdigueiro não seria o cão ideal, embora também seja uma boa companhia. Agora, se o Presidente fosse caçador e escolhesse um cão de uma raça estrangeira, a minha crítica seria outra.”

A “salvação” do Castro Laboreiro

A freguesia de Castro Laboreiro deu o nome a uma das raças portuguesas reconhecidas internacionalmente. Faz este ano 102 anos que nesta aldeia situada em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês (concelho de Melgaço) se realiza o Concurso Nacional do Cão de Castro Laboreiro. Uma centenária festa tradicional, em que, entre outras iniciativas, os proprietários dos cães os mostram aos visitantes.

André Afonso, presidente da Associação Portuguesa do Cão de Castro Laboreiro, diz “ter pena” que quem ofereceu o cão a Marcelo “não se tivesse lembrado” do animal originário da freguesia. E deixa uma garantia: se o Presidente visitar a região “ser-lhe-á oferecido um animal.” “E mesmo que não visite, se quiser também o levamos lá abaixo [a Belém].”

Já para o vice-presidente da associação, Américo Rodrigues, ter um cão desta raça em Belém representava “uma bomba de oxigénio”, até porque a raça é considerada em vias de extinção pelas instituições internacionais, devido ao baixo número de fêmeas registadas. “Ter um Castro Laboreiro em Belém podia ser a salvação da raça”, afirma.

“Nada nos move contra o Pastor Alemão ou qualquer outra raça. Mas isto de o Presidente ter um cão de raça estrangeira em Belém é como fazer um brinde com whisky numa cerimónia oficial, em vez de o fazer com um vinho do Porto ou um Madeira”, acrescenta Américo Rodrigues.

O Barbado da Terceira (Açores) e o Cão de Gado Transmontano são as duas raças que lutam pelo reconhecimento da Federação Cinológica Internacional.

Os dirigentes das associações que representam oficialmente as raças dizem que ter um destes cães no palácio cor-de-rosa “seria uma ajuda extraordinária para o seu reconhecimento internacional”.

Para Pedro Moura, presidente da assembleia-geral da Associação dos Criadores de Cão de Gado Transmontano, a raça “é pouco valorizada” e o Presidente “daria uma excelente ajuda” para “valorizar o cão em termos de reconhecimento internacional e nacional”. “Não estou a falar em termos económicos, mas sim de um valor de um animal português com muitas qualidades. Se o Presidente quiser, temos todo o gosto em levar um cão a Belém.”

João Sousa, do Clube Português do Barbado da Terceira, está disposto a ir mais longe: “Vou ver se arranjo maneira de entrar em contacto com a Presidência para oferecer um Barbado a Belém, até porque tenho uma ninhada saída esta semana.”

O Asa está, para já, a ser treinado nas instalações da GNR em Belém, mas ainda não foram definidas as normas para a sua estadia no palácio. Mas, se chegar a ir viver para as instalações presidenciais e Marcelo Rebelo de Sousa o desejar, não faltam candidatos portugueses para fazer companhia ao cão alemão do XX Presidente da República. Espaço não falta.