Mais transparência na promoção de medicamentos e dispositivos médicos

A Estratégia Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde 2016 – 2020 aprovada por Resolução do Conselho de Ministros e publicada em Diário da República no dia 13 de Outubro deste ano, vem enunciar, e anunciar, um conjunto de medidas de política do medicamento e produtos de saúde, incluindo em matéria de promoção da transparência.

A mencionada Estratégia Nacional prevê que serão aprovados os princípios gerais da publicidade sobre medicamentos e dispositivos médicos, estando esta medida enquadrada pelo objectivo de redução progressiva de situações geradoras de conflitos de interesses entre os sectores público e privado na área da saúde, incluindo as relações com a indústria farmacêutica.

Com efeito refira-se que as regras de publicidade e transparência estão definidas no Estatuto do Medicamento aprovado pelo Decreto-lei nº 176/2006 de 30 de Agosto, o qual já foi objeto de diversas alterações, justamente no sentido de conferir maior robustez às obrigações de transparência e em matéria de publicidade de medicamentos. A prevenção de conflitos de interesses entre a indústria e os agentes decisores com competências nas áreas relacionadas com a aquisição de medicamentos e de dispositivos médicos, já é também objecto de regulamentação específica consignada no Decreto-Lei nº 14/2014 de 22 de Janeiro. Portanto o que estará em causa relativamente às medidas agora aprovadas para promover a transparência no setor, trata-se da alteração de regulamentação já existente com vista à melhoria das práticas adoptadas nesse âmbito.                   

No que toca às alterações que terão sido aprovadas, sabemos através de informação divulgada pelo Governo e pelo Infarmed, que passarão a ser aplicáveis aos dispositivos médicos, as obrigações de registo no Portal da Transparência disponível em https://placotrans.infarmed.pt que atualmente são aplicáveis apenas a nível dos medicamentos. Portanto passará a ser obrigatório o registo no mencionado portal que é de acesso público, o pagamento de qualquer subsídio, patrocínio, subvenção ou qualquer outro valor, bem ou direito avaliável em dinheiro, a toda e qualquer entidade, pessoa colectiva ou singular, designadamente associação, independentemente da sua natureza, que seja representativa de determinado grupo de doentes, ou ainda associação médica ou científica, por parte de agentes que integram a indústria de dispositivos médicos, desde que o pagamento em causa tenha um valor igual ou superior a 60 euros.

Esta obrigação é aplicável à indústria farmacêutica desde 2013, e implica um duplo registo dos pagamentos, quer por parte de quem os faz, quer por parte de quem os recebe.

Esta extensão aos dispositivos médicos das regras de transparência já vigentes para os medicamentos está em linha com as orientações constantes de guidelines internacionais, e em particular com o Código de Ética em matéria de Relações Comerciais aprovado em Dezembro de 2015 pela MedTech Europe, aliança que integra as associações europeias da indústria de tecnologias da saúde, incluindo o Ecomed que representa a indústria de dispositivos médicos.

As medidas anunciadas revelam a preocupação do Governo de reforçar a transparência nas relações estabelecidas entre a indústria farmacêutica e de dispositivos médicos, e o Estado, o que se justifica pela dimensão ética de diversas questões suscitadas pela promoção de produtos que são necessários para prevenir ou tratar doenças humanas.

Esta preocupação encontra-se também refletida na legislação aprovada através do Decreto-Lei nº 238/2015 que regula as práticas de publicidade em saúde. Não obstante o âmbito de aplicação deste diploma ser definido em função do conteúdo das práticas promocionais utilizadas, estando excluídas apenas as que são objeto de regulamentação própria como a publicidade a medicamentos e dispositivos médicos, a verdade é que a sua aplicação prática tem sido dirigida apenas aos serviços de saúde. Esta circunstância decorre da interpretação da lei feita pela Entidade Reguladora da Saúde, a quem compete a sua fiscalização, no sentido de que estão excluídos daquele regime os produtos de saúde, deixando assim de fora da valoração ética que deve ser aplicada à publicidade em saúde, uma área tão relevante como a dos suplementos alimentares.

Constata-se assim que práticas promocionais de produtos que podem suscitar riscos para a saúde, gozam de um regime em matéria de publicidade e promoção que escapa completamente à fiscalização das entidades administrativas com competências na área da saúde.

Conclui-se portanto que o grau de exigência crescente imposto pelo legislador a nível da transparência e da adopção de boas práticas relativamente a atividades promocionais de medicamentos e dispositivos médicos não tem de forma alguma paralelo, numa área tão relevante como a dos suplementos alimentares e de outros produtos de saúde. A este propósito diga-se que, devem ser censuradas pelo Estado as práticas comerciais abusivas na área da saúde, não sendo determinante de uma maior ou menor censura se a promoção diz respeito a serviços, ou a produtos de saúde. Portanto seria benvinda a estratégia do legislador que imprimisse maior transparência a atividades promocionais relacionadas com a saúde, que gozam de grande informalidade por não terem por objeto medicamentos ou dispositivos médicos.

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