Mais pela tarde

Isto de fazer tudo cedo é infeccioso e acaba sempre mal. Ser adulto é ir tarde para a cama.

Passamos por um lugar onde gostamos de ir comer ameijoas. É meio-dia e está muito calor. A igreja está cheia de acólitos da frescura. Os estrangeiros fingem estar a inspeccionar os azulejos. Outros aproveitam para rezar pelo Outono.

Vemos um homem com cara de morador, a quem perguntamos se sabe quando é que abre a loja. O homem olha estarrecidamente para nós, e grita-nos em castelhano imperioso: “Por la tarde, hombre! Por la tarde!

Não foi preciso dizer mais. Os olhos exasperados diziam tudo: “Ó tugas de um cabresto! Já quereis almoçar a esta hora da madrugada? Mas a que horas vos levantais no vosso raio de país? Às quatro da manhã? E deitam-se quando? Às sete da tarde?

Vós não vedes o calor que está? Mas como é que querem que alguém tenha fome a esta hora? Vós estais, por acaso, a trabalhar nesta altura do dia? Pois, não me pareceu! Vós passeais que nem uns cães, mas é. Mas quereis que outros trabalhem: está mal! Porque sois tão diferentes dos vossos vizinhos? Porque não aprendeis com eles a comer e a descansar a horas civilizadas?

O tabanco que vós procurais é dos poucos que sabem viver. Abrem pela tarde, hombre, que é quando o calorão começa a levantar e ocorre a alguém pensar em almoçar. Porque não ides também a essa hora, santo Deus? Se não quiserdes aprender, deixai aprender os outros.”

O homem tinha razão. O calor estava a piorar e era ridículo ter fome. Esperar pela tarde era o mínimo que podíamos fazer. Isto de fazer tudo cedo é infeccioso e acaba sempre mal. Ser adulto é ir tarde para a cama.

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