Mãe que perdeu filho nas praxes vai a tribunal e invoca direito à “revolta”

Filho morreu numa praxe na Tuna Académica da Universidade Lusíada de Famalicão em 2001, mas a justiça foi incapaz de encontrar os culpados. Esta segunda-feira, a mãe começa a ser julgada acusada de difamar um dos jovens que foram arguidos na investigação ao homicídio.

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Um dos acusados por Maria de Fátima Macedo exige-lhe 120 mil euros por difamação nFactos/FERNANDO VELUDO

Quinze anos depois de o filho ter morrido devido a agressões infligidas numa praxe na Tuna Académica da Universidade Lusíada de Famalicão, Maria de Fátima Macedo senta-se no banco dos réus acusada ela por quatro crimes de difamação. A mesma justiça que foi incapaz de encontrar os culpados da morte de Diogo quer condenar a mãe por ter nomeado os suspeitos da morte do filho em entrevistas a um jornal e a duas televisões em 2014 .

Olavo Almeida, tuno agora com 39 anos que chegou a ser arguido na investigação ao homicídio depois arquivada – não gostou do que ouviu. Apresentou uma acusação particular por difamação e uma procuradora do Ministério Público decidiu acompanhá-lo. O julgamento começa na tarde desta segunda-feira no Tribunal da Maia e Maria de Fátima Macedo arrisca uma pena até dois anos de prisão ou o pagamento de uma multa. O queixoso exige-lhe uma indemnização de 120 mil euros. Em 2009, o Tribunal Cível de Famalicão condenou a Universidade Lusíada de Famalicão a pagar à mãe 90 mil euros de indemnização.

Maria de Fátima Macedo defende-se com o que lhe deixaram: a revolta. “Será justo impedir-se uma mãe, cujo filho morreu na sequência de agressões, de expressar a sua revolta, de se manifestar?”, questiona a sua defesa na contestação entregue em tribunal. As suas advogadas, que dizem que Maria de Fátima nomeou os suspeitos da morte do seu filho “imbuída da sua revolta mais que justificada”, sublinham ainda que a “sociedade não poderá entender como a manifestação de revolta da arguida, o desabafo por ela proferido, as expressões utilizadas, poderão ser consideradas crime”.

A defesa realça ainda que a lei “não pune o uso de expressões difamatórias quando estas são proferidas prosseguindo interesses legítimos”, quando quem as profere “prove a verdade das mesmas ou creia de boa-fé na sua veracidade”.

As juristas defendem também que as declarações de Maria de Fátima Macedo nas entrevistas foram pronunciadas no âmbito do direito à liberdade de expressão. “A arguida não pode estar obrigada a não responder à comunicação social”, referem. De resto, a mãe de Diogo recusa ter cometido qualquer crime. “Em todas as entrevistas”, a progenitora “deixa claro que o processo-crime foi arquivado e que ninguém foi acusado, nem condenado”.

O que fez então? Maria de Fátima ainda não desistiu de querer saber a verdade. Explica que aproveita todas as entrevistas para lançar “um apelo a quem possa saber de mais informações” sobre a morte do filho “para que as partilhe”. Para que se descubra “o que aconteceu naquela noite”. Com o passar do tempo, acredita que a consciência de jovens, que agora também são pais, pode pesar e levá-los a falar finalmente sobre o que sucedeu.

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Processo-crime arquivado

Diogo, que frequentava o 4º ano de arquitectura, morreu com 22 anos, na noite de 7 de Outubro de 2001. Saiu de casa dizendo que iria resolver a sua vida na tuna e nunca mais voltou. Apesar de estar no quarto ano, continuava caloiro na tuna. Agressões durante a praxe ditaram-lhe o destino, concluiu um juiz num processo cível, conclusão que em 2013 o Supremo Tribunal de Justiça confirmou. Mas os culpados directos nunca foram julgados. Por falta de provas, o processo-crime acabou arquivado. Três anos de investigação sucumbiram a um muro de silêncio imposto na tuna.

Em entrevistas ao Diário de Notícias, à SIC e à TVI, Maria de Fátima Macedo ousou nomear os suspeitos da morte do filho. Em Fevereiro de 2014, convidada para programas naquelas televisões a propósito das mortes de seis jovens da Universidade Lusófona numa praxe na praia do Meco, que aconteceram em 2013, Maria não se contém. Recorda o caso do filho. “Existem dois suspeitos; fizeram um pacto de silêncio; chamaram-no para o matar; justiça era meter dentro da cadeia os assassinos do meu filho, porque há dois, um tal Olavo Almeida e um Armando.”

Em 2004, a jornalista Felícia Cabrita escreveu um artigo de fundo para a Grande Reportagem sobre o caso que teve grande impacto mediático por contar com os testemunhos de vários estudantes de então. Nele, alguns jovens que passaram pela tuna relataram episódios de violência. Dois deles irão também testemunhar neste julgamento. Nessa reportagem, Olavo Almeida, que apresentou a queixa contra Maria de Fátima, dizia que sempre que ele aparecia os caloiros sabiam que tinham de fazer “10 flexões”.

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