Madeira separa alunos por turmas com base no desempenho académico

Projecto-piloto da Secretaria Regional de Educação avança no próximo ano lectivo em sete escolas. Professores estão contra, pais têm dúvidas e oposição fala em segregação.

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Novas turmas vão aumentar o sucesso ou discriminar? Está aberto o debate Enric Vives Rubio

A Madeira vai pôr em prática no próximo ano lectivo um projecto-piloto que irá separar os alunos consoante o desempenho académico dos anos anteriores.

O objectivo é actuar no início do 2.º e 3.º ciclos — no 5.º e 7.º anos —, formando turmas com os alunos que revelaram mais dificuldades de aprendizagem, reforçando o apoio pedagógico, deixando os restantes prosseguirem em turmas com currículos regulares.

O projecto, que será adoptado em sete estabelecimentos de ensino, pretende, de acordo com a Secretaria Regional de Educação (SRE), combater o insucesso e o abandono escolar, através da promoção de ritmos de aprendizagem diferentes, mas está longe de ser consensual.

Pais e professores temem que os critérios utilizados para formar as turmas agravem as desigualdades e promovam a discriminação nos recreios. Jorge Carvalho, secretário regional da Educação, está convencido que não e diz que o “politicamente correcto” tem-se revelado penalizador para muitos alunos.

Carvalho, que escusou-se falar com o PÚBLICO sobre o projecto, para não alimentar mais a polémica entretanto gerada, sublinhou durante a semana na comunicação social local que não está em causa dividir os “bons” dos “maus” alunos. O secretário vincou, ao Diário de Notícias do Funchal, que o conceito de “bom” e “mau” está “ultrapassado” e não faz parte do léxico do Executivo madeirense, mas isso não invalida que a SRE pretenda diminuir os casos de insucesso e abandono escolar.

“A ideia de que todos os alunos podem aprender todas as matérias, ao mesmo tempo e nas mesmas condições, pode ser politicamente correcta, mas na prática revela-se penalizadora para aqueles cujo ritmo de aprendizagem difere do da maioria”, defendeu o secretário regional.

A criação destas turmas homogéneas será adaptada às diferentes realidades e contextos das escolas que vão adoptar o projecto. Na Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos do Caniço, uma cidade “dormitório” do Funchal, a diferenciação só será feita no 7.º ano, através da criação de quatro turmas, com menor número de alunos (10 a 15), que contarão com dois professores em disciplinas chave como Português, Matemática ou Língua Estrangeira.

“As mudanças de ciclo são sempre complicadas, e nós temos um histórico de 20% de reprovações, e é isso que queremos alterar”, explicou ao PÚBLICO o director daquele estabelecimento, Armando Morgado.

“Aqui não há bom nem mau”
Na escola do Caniço, onde as 11 turmas de 7.º ano têm em média 25 alunos, quatro vão integrar o projecto. As restantes, indica Armando Morgado, vão estar dentro dos currículos regulares. Não terão apenas os alunos com melhor desempenho, mas também todos os outros que não forem abrangidos por este programa: alunos repetentes, com necessidades especiais e outros com desempenhos médios e mais elevados.

“Não vamos criar turmas ‘atrasadas’ e turmas ‘avançadas’, vamos sim é dar mais condições e uma atenção especial àqueles que denotaram mais dificuldades, através de um maior acompanhamento, de ritmos de aprendizagem adaptados e do empenho de um par pedagógico”, continua o director, rejeitando que esta solução vá contribuir para agravar as diferenças entre os alunos, até porque no ano seguinte vão integrar turmas de currículos regulares.

A escola do Caniço tem a preocupação de acolher bem os que chegam, explica. Os do 5.º ano, são “apadrinhados” por um aluno mais velho e começam as aulas uns dias mais cedo, para se ambientarem. “Eles chegam aqui vindos do 1.º ciclo, onde eram os maiores da escola, e deparam-se com uma realidade bem diferente, onde passam a ser os mais pequenos. O impacto é muito grande, e muitas vezes acabam por condicionar a adaptação e resultar na reprovação de ano”, sintetiza Armando Morgado, insistindo que perante o crescente insucesso a escola não pode ficar de braços cruzados. “Aqui não há bom nem mau, rico ou pobre. Há apenas alunos.”

O Sindicato dos Professores da Madeira (SPM) concorda com o princípio, mas não com a forma como será aplicado. “Esta divisão anunciada de alunos no início do ano pode ser geradora de discriminação e ter consequências no futuro escolar dessas crianças”, diz Francisco Oliveira, coordenador do SPM.

O sindicato admite a existência de uma diferenciação ao longo do ano em algumas disciplinas, mas nunca nos moldes que a SRE está a incentivar. “A própria terminologia que está a ser utilizada [bons e maus] é ofensiva”, lamenta Francisco Oliveira, dizendo que a perspectiva do sindicato é a de proteger os alunos com maior dificuldade, não os mais avançados.

Na Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos do Estreito de Câmara de Lobos, a Oeste do Funchal, o projecto vai mais longe. Aqui os alunos com melhor desempenho serão reunidos na “Turma de Desenvolvimento”, com o objectivo de estimular o grupo nivelando-o por cima. Os que revelam mais dificuldades ficam na “Turma de Recuperação”, de forma a adequar o ritmo de ensino às capacidades demonstradas. O critério é puramente matemático — resultados obtidos nos exames do 4.º e 6.º ano —, mas o director da escola, António Mendonça, diz que não se trata de segregação.

As duas turmas, que integram o projecto “Estreito +” vão do 5.º ao 6.º ano e do 7.º ao 9.º, mas não são estanques, porque os alunos podem, durante o percurso, mudar de uma turma para outra. O actual modelo, definiu António Mendonça ao Diário de Notícias do Funchal, tem tendência a acentuar diferenças, porque ao nivelar por cima, deixa os alunos com mais dificuldades para trás, e se baixar a fasquia, faz com que os conseguem fazer melhor se desmotivem.

Pais com dúvidas
A Federação das Associações de Pais da Madeira tem muitas dúvidas. “Na teoria, concordamos que reduzir o número de alunos por turma e reforçar o corpo docente terá um efeito positivo na aprendizagem dos que denotam mais dificuldades, mas a separação poderá resultar na discriminação daqueles que forem colocados nessas turmas”, diz Daniela Aguiar, representante desta organização.

O SRE Jorge Carvalho não tem. “Pretendemos criar através destes projectos e de todos os outros que as escolas propõem, condições para elevar o número de casos de sucesso, diminuir o número de abandono e combater os focos de indisciplina”, justificou, acrescentando que estas intervenções têm bases técnicas, científicas e pedagógicas “robustas”.

As explicações do secretário regional vão agora ser feitas na Assembleia Regional da Madeira, onde já entrou, pela mão do PS, um pedido de esclarecimento. Sofia Canha, ex-coordenadora do SPM, e agora deputada socialista, considera a medida redutora, segregadora e elitista. Não só direcciona as estratégias da escola apenas para os resultados académicos, diz, como padroniza e agrupa os alunos com base nesses mesmos resultados, estigmatizando os mais fracos.

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