Árvore que matou 13 pessoas estava “verde e saudável”

Câmara do Funchal garante que carvalho não estava sinalizado como estando em risco. Queda provocou a morte de 13 pessoas e feriu outras 49. Foram decretados três dias de luto regional.

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Homem de Gouveia/Lusa
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Tinha acabado a missa, por isso uma multidão esperava, no Largo da Fonte, o início da procissão da Nossa Senhora do Monte, um dos pontos altos do maior arraial madeirense, em honra da padroeira da Madeira. Por volta do meio-dia, um carvalho desabou da encosta e caiu sobre a multidão. Morreram 13 pessoas e 49 ficaram feridas, sete delas em estado grave.

Uma das vítimas mortais é uma criança que chegou sem vida ao Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal. Outras duas pessoas morreram já na unidade de saúde. Entre os feridos há “algumas crianças” e alguns cidadãos estrangeiros, de nacionalidade alemã, húngara, francesa e holandesa.

Ao final desta terça-feira, não era ainda claro o que tinha acontecido. A Câmara do Funchal garante que a árvore caída era “um carvalho que apresentava uma copa verde e saudável” e não um plátano oco, como avançavam algumas testemunhas no local. Esta árvore “nunca esteve sinalizada como em perigo de queda e nunca deu entrada qualquer queixa com vista à sua limpeza ou abate”, assegurou Paulo Cafôfo, presidente da autarquia madeirense, numa conferência de imprensa pelas 19h. “A Câmara Municipal do Funchal assumirá todas aquelas que forem as suas responsabilidades”, garantiu ainda o autarca independente, eleito com o apoio de uma coligação de partidos liderada por PS e BE.

Depois de os dedos lhe terem sido apontados, a autarquia fez saber que o carvalho se encontrava em terreno da Diocese da Senhora do Monte, que o PÚBLICO tentou contactar, sem sucesso. Ainda assim, a limpeza e manutenção do local é habitualmente assegurada pela câmara. Uma versão contrária é apresentada por António Mendonça. Este homem de 68 anos e a mulher moram no Largo da Fonte. Vivem ali há 14 anos e desde então António diz que tem “avisado as sucessivas vereações do perigo que são aquelas árvores velhas, encavalitadas e vergadas sob o seu próprio peso”. Acredita que o actual e anterior executivo municipal — que foi liderado de 1994 a 2013 por Miguel Albuquerque (PSD-M), hoje presidente do governo regional — conheciam a situação e têm, por isso, “graves responsabilidades”. “Isto tudo podia ter sido evitado”, reitera.

Quando se queixou à autarquia, António referia sobretudo os “plátanos velhos e ocos” da pequena encosta, que ao longo dos anos foram alvo de “podas cirúrgicas e manifestamente insuficientes”, diz. Acredita “que não serve de desculpa” que se trate afinal de um carvalho, pois, diz, a autarquia “nunca se preocupou com o manifesto perigo que constituíam aquelas árvores”.

Causa desconhecida

Não se sabe o que provocou a queda. A peritagem começa nesta quarta-feira. Será feita por uma empresa especializada em parceria com o Instituto Superior de Agronomia. O Ministério Público já abriu um inquérito.

Também Miguel Albuquerque deixa, para já, em aberto a possibilidade de abrir um inquérito. A “prioridade é apoiar as famílias e os feridos”, afirmou. Uma posição partilhada por Marcelo Rebelo de Sousa, que, à chegada à Madeira, ao final da tarde, defendeu que ainda não era a altura para o apuramento de responsabilidades. “Neste momento, que é um momento de dor, aquilo que importa é testemunhar a solidariedade, o conforto e estar junto daqueles que sofrem”, defendeu.

Ainda assim, quando falou aos jornalistas, a meio da tarde, o presidente do governo regional recusou qualquer responsabilidade neste acidente. “Eu sempre assumi as minhas responsabilidades quanto estive à frente da câmara”, declarou. “Aquela área é de administração municipal”, afirmou ainda. “Eu, como presidente do governo, assumo as minhas responsabilidades. Quem tem outras áreas sob sua administração deve assumir as suas.” Garantiu, depois, que, se houver responsabilidade humana, esta “será apurada”.

“Foi um pandemónio”

A autarquia defende-se: “O executivo está atento. Desde 2014, foram abatidas 11 árvores, por motivos de doença ou más condições, na freguesia do Monte”, referiu ao PÚBLICO Paulo Pereira, adjunto da presidência da Câmara do Funchal.

O quintal de António Mendonça dá para o Largo da Fonte. Acabara de chegar à varanda para ver a procissão que “passava daí a pouco” quando ouviu “um grande estrondo”. Seguiu-se “um pandemónio e uma gritaria de centenas de pessoas” que corriam em direcção contrária à encosta onde, minutos antes, “se encontravam sentadas ou de pé, a conversar”. O alerta foi dado às 12h08 e “cinco minutos depois” os bombeiros municipais estavam no local, garantiu o secretário regional da Saúde, Pedro Ramos, que detém o pelouro da Protecção Civil. Passada uma hora, todos os feridos tinham sido levados para o hospital, o que levou o governo regional a considerar “excepcional” o trabalho das sete entidades destacadas para o socorro.

É comum haver uma multidão por estes dias naquele largo: “Nestas comemorações do 15 de Agosto, as pessoas saem da missa e descem a encosta para esperar a procissão. Havia uma concentração maciça de gente, como na noite anterior, até às 4h da manhã.” É assim todos os anos, conta ainda António Mendonça.

O governo regional montou um dispositivo de “apoio psicológico e psiquiátrico” na sede da PSP do Funchal e na Junta de Freguesia do Monte — uma freguesia que tem sido martirizada por vários incidentes trágicos nos últimos anos. Em 2010, foi das mais atingidas pelas cheias. Dois anos depois sofreu os incêndios, que voltaram em Agosto do ano passado a deixar um rasto de destruição.

O Hospital Dr. Nélio Mendonça abriu duas linhas (291 705 678 e 291 705 779), através das quais podem ser pedidas informações. Ao apresentar as suas condolências às vítimas e familiares, António Costa fez saber que o Governo do continente disponibilizou apoio médico. Ao princípio da noite, 16 pessoas continuavam internadas.

Esta quarta-feira e os próximos dois dias são de luto na Madeira.

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