Juiz recusa levar procurador a julgamento por difamar Sócrates

Antigo primeiro-ministro apresentou queixa contra dirigente sindical que o acusou de praticar “factos ilícitos” e aludiu a políticos corruptos.

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Em causa, declarações de António Ventinhas, do Sindicato de Magistrados do Ministério Público Nelson Garrido

O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não levar a julgamento o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, no caso das declarações que proferiu sobre os crimes de que é acusado o antigo primeiro-ministro José Sócrates.

O juiz encarregue do processo não está, porém, certo de que o dirigente sindical não tenha cometido o crime de difamação de que o acusa o ex-governante. As razões que invoca para arquivar o caso prendem-se com formalidades jurídicas. Um dos advogados de José Sócrates, Pedro Delille, diz ser muito provável que o queixoso venha a recorrer da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

O caso remonta a meados de Dezembro de 2015. Na sequência de fortes críticas do antigo primeiro-ministro, durante uma entrevista, à forma como a chamada Operação Marquês estava a ser conduzida pelo Ministério Público, o dirigente sindical veio a público dizer que "o principal responsável pela existência deste processo tem um nome, e esse nome é José Sócrates, porque se não tivesse praticado os factos ilícitos este processo não teria acontecido”.

Num primeiro momento, o Ministério Público abriu um inquérito às declarações do procurador – ao mesmo tempo que o órgão de disciplina do sector, o Conselho Superior do Ministério Público, desencadeava idêntico procedimento, depois de José Sócrates ter também ali apresentado uma participação disciplinar. Quer uns quer outros concluíram não haver razão para condenar o sindicalista. “As declarações foram proferidas num contexto de tensão verbal muito expressiva, como resposta a uma entrevista em que a integridade do Ministério Público foi posta em causa”, concluiu aquele conselho. “Mesmo que se possam considerar excessivas não decorre daí relevância disciplinar.”

Depois de ver o caso arquivado também no Tribunal da Relação de Lisboa, o ex-governante pediu a abertura da instrução do processo, por forma a conseguir sentar ainda António Ventinhas no banco dos réus. No passado dia 19 de Janeiro foi proferida uma decisão que, apesar de rejeitar as pretensões de José Sócrates, deixa no ar sérias dúvidas sobre se o dirigente sindical não poderá, de facto, ter cometido o crime de difamação. António Ventinhas disse também, na mesma altura, que os portugueses tinham de decidir se preferiam “perseguir políticos corruptos, acreditar nos polícias ou nos ladrões ou em quem investiga, ou nos corruptos”.

Para o juiz, que resolveu não o levar a julgamento, António Ventinhas “não se conteve dentro dos limites que a sua formação jurídica, a devida objectividade e a razoável prudência lhe impunham”, mesmo tendo em conta que falava na qualidade de sindicalista. Alegar que as suas afirmações sobre políticos corruptos não se destinavam a ninguém em particular “é esperar demais da tolerância e da estupidez alheia”, pode ler-se na sentença, que neste ponto repesca uma expressão usada pelos advogados de Sócrates.

Por tudo isto, o sindicalista podia, “eventualmente”, ser pronunciado pelo crime de difamação agravada, admite o juiz. Que encontrou, porém, falhas formais no requerimento em que o ex-primeiro-ministro exige o julgamento de António Ventinhas: “Não alega quaisquer factos que substanciem a consciência da ilicitude” do sindicalista relativamente à prática deste crime. Ou seja, os advogados deviam ter apontado ao Tribunal da Relação que indícios havia de que o sindicalista tinha noção de estar a violar a lei quando fez as polémicas declarações – apesar de se tratar de um jurista. Uma tese que, não sendo inédita, não deixa de ser controversa.

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