Jovens arquitectos sem reconhecimento para trabalhar no Reino Unido

Várias formações pós-Bolonha estão fora da lista europeia das qualificações, e isso tem justificado recusa do registo na ordem dos arquitectos britânica.

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Várias universidades não informaram a Comissão Europeia para que os cursos fossem reconhecidos Nuno Ferreira Santos

Dezenas de arquitectos nacionais estão a ter dificuldades em conseguir trabalho no Reino Unido porque as autoridades britânicas não reconhecem as formações que fizeram em Portugal. Os cursos terminados após o processo de Bolonha em várias universidades públicas e privadas não constam da lista anexa à directiva europeia das qualificações, e isso tem sido usado como justificação pela entidade britânica homóloga da Ordem dos Arquitectos para recusar o registo destes profissionais naquele país.

Os casos de jovens arquitectos têm-se acumulado, sobretudo nos últimos dois anos, e têm contornos semelhantes. Diana Bela Novo terminou a formação na Universidade Lusíada do Porto, em 2012. Estava a trabalhar como arquitecta em Portugal, mas "não tinha sustentabilidade suficiente", pelo que decidiu arriscar uma aventura fora do país. Recusou uma proposta do Qatar e optou pelo Reino Unido, convencida de que o reconhecimento das suas qualificações "seria o menor dos problemas".

Não foi assim. Em Junho, quando chegou a Londres, tratou de inscrever-se na Architects Registration Board (ARB), a homóloga britânica da Ordem dos Arquitectos, mas não conseguiu ver a sua formação reconhecida. O motivo da recusa foi o facto de o curso feito em Portugal não cumprir os requisitos para ser reconhecido no Reino Unido, pelo que não poderia assinar projectos de arquitectura nem mesmo usar o título de arquitecta.

"Não foi fácil, estive quase para desistir e tive que trabalhar num restaurante durante uns meses, para conseguir manter-me em Londres", conta Diana Novo. No mês passado, conseguiu finalmente uma posição num gabinete de arquitectura britânico, ainda que apenas lhe seja reconhecida a "parte 2" do título profissional — o equivalente a um técnico com formação superior — mas ainda não a "parte 3" que lhe permitiria, por exemplo, assinar projectos próprios.

O caso de Diana Bela Novo não é único. Na mesma situação estão mais de uma dezena de ex-colegas da Lusíada do Porto, que têm liderado um movimento para garantir o reconhecimento da formação naquela escola de Arquitectura. E tem havido outros casos em universidades privadas, como a Escola Superior Artística do Porto — cuja situação foi entretanto resolvida — ou públicas, como as universidades de Coimbra, Lisboa e Porto. A justificação da ARB é sempre a mesma: os cursos em causa não constam do Anexo 5 à directiva europeia das qualificações.

A situação só está a verificar-se no Reino Unido, onde cidadãos comunitários como os portugueses têm um processo de reconhecimento das qualificações profissionais apertado em profissões como a arquitectura. Em casos mais graves, a ordem britânica está mesmo a contactar estes profissionais, lembrando que o uso do termo "arquitecto" nos seus perfis de redes sociais podia configurar uma "ofensa criminal".

O problema que está a ser vivido é ainda uma consequência do processo de Bolonha. As universidades tiveram que adaptar os seus planos de estudos à nova estrutura das formações superiores que limitava as licenciaturas a três anos e implicava que cursos como o de Arquitectura tivessem necessariamente que ter mestrados integrados, totalizando cinco anos. Depois da conclusão desse processo, seria necessário notificar novamente a Comissão Europeia para que o curso fosse integrado no anexo à directiva comunitária — em que devem constar as formações em áreas como a Arquitectura ou Medicina. O processo de notificação é, porém, voluntário e nem todas as universidades estavam a fazê-lo.

Problema "não identificado"
No caso de Coimbra, a situação foi identificada "há dois anos", confirma o coordenador do curso de Arquitectura, Rui Lobo. Mas como estava a ser feita uma revisão do plano de estudos da formação, a resolução foi sendo adiada. "Não fazia sentido tratarmos do processo antes, porque teríamos que repeti-lo novamente agora", justifica aquele responsável, garantindo que o assunto será tratado ao longo deste ano lectivo. É também esse o prazo indicado pela nova presidente da Escola de Arquitectura da Universidade do Minho, Maria Manuel Oliveira, para tentar encontrar uma solução para os diplomados daquela instituição.

Estas universidades terão que começar o seu processo, que necessita de um parecer positivo da Ordem dos Arquitectos e de acompanhamento da Coordenação Nacional das Autoridades Competentes para o Reconhecimento das Qualificações Profissionais, um órgão na dependência da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, responsável por intermediar o processo entre as autoridades nacionais e Bruxelas.

O caso da Universidade Lusíada do Porto é distinto e tem contornos mais complexos. A instituição decidiu cumprir o processo para ser incluída na lista europeia e "cumpriu todos os formalismos necessários", ainda durante o Verão de 2011, para que isso acontecesse, garante Pedro Silva Vieira, coordenador do órgão responsável pela intermediação do processo com a Comissão Europeia.

"Eu sou o responsável primeiro pelo tratamento, tenho a certeza de que foi tudo cumprido", garante o director da Faculdade de Arquitectura e Artes da Lusíada do Porto, Francisco Peixoto Alves. Na mesma altura, aquela instituição de ensino superior encaminhou também os processos relativos aos seus cursos de arquitectura em Lisboa e Vila Nova de Famalicão, que foram incluídos no anexo da directiva em Junho de 2013. Na lista não constava, porém o curso do Porto.

O que aconteceu com esse processo? "Um problema não identificado e apenas agora reconhecido", responde Pedro Silva Vieira, sem dar mais explicações sobre o assunto. Os protestos dos arquitectos impedidos de trabalhar no Reino Unido por não terem as suas qualificações reconhecidas acabou por alertar as autoridades para o problema.

A solução estará, agora, a algumas semanas de distância. A informação que a Comissão Europeia deu às autoridades nacionais aponta no sentido de o curso da Lusíada vir a ser incluído no anexo à directiva durante o próximo mês, "tendo como data previsível o dia 18 de Janeiro de 2016".

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