Instituições "opacas" como escolas militares facilitam crime, diz Joana Marques Vidal

Ministério Público investiga agressões de alunos mais velhos sobre colegas mais novos nos Pupilos do Exército. Procuradora da Relação considera provados maus tratos no caso do Colégio Militar.

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A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal Enric Vives-Rubio

O surgimento de crimes “é mais fácil” em instituições “opacas” como as escolas militares, os lares de idosos ou as prisões, considera a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.

Ressalvando que não comenta casos concretos como as recentes denúncias de agressões de alunos mais velhos sobre colegas mais novos nos Pupilos do Exército, que deram já origem à abertura de um inquérito no Ministério Público, a procuradora-geral referiu, porém, que tanto a sociologia como a antropologia estudaram a forma como a organização deste tipo de instituições constitui “um obstáculo ao controlo da comunidade” e, portanto, à actuação da justiça. “Infelizmente, nestes espaços é mais fácil ocorrerem factos susceptíveis de constituir crime”, lamentou Joana Marques Vidal, acrescentando que, apesar de tudo, “cada vez é menos assim” que se passam as coisas.

“Se o autor das agressões for maior de 16 anos é punido como um adulto”, recordou a procuradora-geral da República, que falava à margem do seminário Violência Doméstica – Violência Contra Crianças e Adolescentes, que decorreu em Lisboa.

Entretanto, a procuradora do Tribunal da Relação de Lisboa a quem coube a reanálise de outro caso de violência perpetrada por alunos mais velhos contra estudantes mais novos, desta vez no Colégio Militar, entre o ano lectivo de 2006/2007 e o início de 2008, entende — ao contrário da sua colega de primeira instância — que os arguidos devem ser condenados pelo crime de maus tratos.

Em Fevereiro passado os jovens tinham sido absolvidos deste crime nas Varas Criminais de Lisboa e condenados ao pagamento de multas mas apenas por ofensas à integridade física, ilícito que é de menor gravidade. Cabe agora aos juízes do Tribunal da Relação tomar uma decisão final.

Segundo aquela procuradora, as ofensas corporais praticadas sobre três alunos do Colégio Militar, e que resultaram numa perfuração do tímpano de uma vítima que foi alvo de bofetões, revestiram-se de “gravidade e violência evidenciadoras de uma certa insensibilidade e crueldade”. Também no recente caso dos Pupilos do Exército se verificou uma perfuração no tímpano da vítima, resultante de violência. As mãos do agressor ou dos agressores ficaram marcadas na cara e na orelha de um colega de 11 anos.

Para alguém ser condenado pelo crime de maus tratos tem de ficar provado que a vítima de alguma forma está na dependência do agressor. É isso que a procuradora da Relação considera ter-se passado nos episódios de violência do Colégio Militar: “Embora agindo no contexto de uma instituição de cariz militar e de acordo com uma tradição de décadas, os arguidos desempenhavam, enquanto graduados, funções de auxiliares de educação, tendo uma relação de superioridade […] relativamente aos alunos mais novos, que passava pela imposição de castigos”, que, neste caso, “excederam o que possa porventura ser entendido como tolerável”. As vítimas tiveram de receber assistência médica e hospitalar.

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