“Houve muita resistência. Ainda há”

Portugal não tem uma tradição de organização de grupos vulneráveis, mas há exemplos, como a CASO – Consumidores Associados Sobrevivem Organizados.

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São ainda muitas as barreiras à participação das associações de defesa das pessoas em situação vulnerável Paulo Pimenta (arquivo)

Uma Vida como a Arte não é a primeira associação formada por pessoas em situação social vulnerável para reclamar cidadania, influenciar políticas públicas. Há pelo menos 30 anos que o discurso entrou no território nacional. E, volvido este tempo, algo germinou. “Acho que estamos a concluir um primeiro capítulo que é o ser capazes de ceder a possibilidade de as pessoas se pronunciarem”, diz Sérgio Aires, presidente da Rede Europeia Antipobreza – EAPN.

O exemplo mais evidente é o da CASO – Consumidores Associados Sobrevivem Organizados. Gerard Theo Van Dam, percursor das associações de utilizadores de drogas, esteve no Porto em 2007 e inspirou a formação do grupo informal, que acabou por se constituir como associação em 2010. A Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES) foi o motor e ainda fornece apoio logístico, administrativo e jurídico.

 “Tenho sentido uma evolução nestes dez anos, mas não significativa”, avalia o presidente da CASO, Sérgio Rodrigues. “Nenhum de nós tem formação académica, tivemos de ler a literatura, de aprender a falar ‘politiquês’, ‘tecniquês’. Conhecemos o terreno, sabemos quais as dificuldades, quais as necessidades, mas ainda não há abertura para nos incluir nas reuniões interministeriais.” Talvez seja uma questão de tempo. “O João Goulão [director-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências] já disse que ia tentar”.

Nesta matéria, ninguém terá uma acção tão ampla em Portugal como a EAPN, que nasceu da ideia de que as pessoas em situação de pobreza deviam falar na primeira pessoa sobre os seus problemas, encontrar soluções, influenciar as políticas públicas. Tem 18 conselhos locais de cidadãos, um por cada distrito continental.

“Em 2001, quando começámos com isto, queríamos que houvesse uma associação, mas as pessoas não estavam preparadas. Se calhar já estão”, comenta a directora nacional, Sandra Araújo. Há dois anos, houve uma revisão de estatutos. Alguns constituíram-se como membros da rede, podem votar na assembleia-geral, fazer parte dos órgãos distritais. E já estiveram no parlamento a fazer a defesa de uma Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza

Sérgio Aires discorre sobre as barreiras à participação. “Quando começámos [em 1989] a falar em promover a participação dos pobres, acusavam-nos de querer instrumentalizá-los”, afiança. “Houve muita resistência. Ainda há.” Não é só o crer que as instâncias de poder são outras. É o não crer que “as pessoas são capazes de analisar a sua situação de forma crítica, de ter uma opinião sobre o que deve ser feito”.

Na opinião de José Queiroz, coordenador nacional da APDES, o conflito é inevitável. De um lado, os profissionais, detentores de um poder assente no conhecimento técnico. Do outro, os “outros”, os que têm um saber que vem da experiencia. O técnico tem de ultrapassar a sua arrogância. E o “outro” tem de ultrapassar a sua desconfiança. A dificuldade, diz, está também “em conseguir trazer essa voz para a comunicação social, para os congressos científicos, para os encontros com outros profissionais, com dignidade”. Mas não basta ouvir, adverte Sérgio Aires. É preciso ter em conta.

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