Há oficiais de justiça sem receber uma parte do salário há quatro meses

Ministério da Justiça reconhece problema e diz estar a tratar da cabimentação orçamental. Em causa estão chefias intermédias colocadas em regime de substituição.

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Sindicato lamenta que se recorra a este regime de substituições Enric Vives-Rubio

Há um conjunto de algumas dezenas de oficiais de justiça que estão há quatro meses sem receber uma parte do salário que lhes é devido. São funcionários dos tribunais que estão desde Outubro a exercer lugares de chefia de secções, como escrivães de direito ou técnicos de justiça principais, em regime de substituição, apesar de pertencerem à categoria imediatamente inferior. A diferença entre o salário que corresponde à sua categoria e o que resulta do lugar que estão efectivamente a exercer, que pode atingir quase 500 euros, não está a ser paga, desde que é devida, ou seja, desde Dezembro.

A denúncia é feita pelo presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça, Carlos Almeida, que estima que haja pelo menos cerca de 50 funcionários nestas condições. O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), Fernando Jorge, também conhece a situação, mas acredita que os afectados possam ultrapassar a meia centenas. E recorda que se não há mais oficiais de justiça nestas condições tal só acontece porque existem muitos lugares de escrivães de direito (chefiam secções judiciais) ou técnicos de justiça principais (apoiam o Ministério Público).

Confrontado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça reconhece o problema e diz estar a tratar da necessária cabimentação orçamental. “A substituição que se prolongar por um período superior a 30 dias confere ao substituto o direito a ser remunerado pelas funções que exerce. Por implicar um acréscimo da despesa, e por só ter efeitos remuneratórios após 30 dias, tal autorização apenas pode ser desencadeada decorrido tal prazo e desde que obtido o cabimento e o compromisso do encargo orçamental, procedimentos que estão em curso”, afirma o ministério, numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO.

No final do ano passado foi realizado um movimento extraordinário que permitiu a promoção de 299 funcionários às categorias de escrivães de direito ou técnicos de justiça principais (a terceira numa escala de quatro), que estavam em regime de substituição. E isso deveria ter resolvido uma situação anormal que já se prolongava há anos.

A promoção só foi possível porque não representou qualquer encargo adicional para o Estado. Isto porque na sequência de um processo instaurado pelo SFJ em 2012, um tribunal arbitral condenou o Estado português a pagar, desde 1 de Janeiro de 2011, a estes oficiais de justiça o salário correspondente às funções que efectivamente estavam a desempenhar e não o vencimento previsto para a categoria que detinham.

No entanto, essencialmente duas razões fizeram com que mesmo depois das promoções fosse necessário colocar cerca de 50 oficiais de justiça em regime de substituição, explica Carlos Almeida. “Por um lado, houve várias pessoas promovidas a quem após o concurso foi autorizada a continuação da comissão de serviço e portanto voltaram a sair”, precisa. Por outro lado, os lugares correspondentes às 299 promoções não foram exactamente os mesmo que estavam a ser ocupados em regime de substituição. “Os conselhos de gestão das comarcas deviam ter sido ouvidos, mas não foram. Houve desarticulação entre o director-geral e aqueles órgãos”, avalia o sindicalista.  

A possibilidade de recorrer a funcionários de categoria imediatamente inferior para exercer funções de chefia, em regime de substituição, está prevista no Estatuto dos Funcionários de Justiça. A proposta para esta nomeação compete ao superior hierárquico do funcionário e depende de autorização do director-geral da Administração da Justiça, adianta o Ministério da Justiça.

O presidente do SOJ lamenta, contudo, que se continue a recorrer a esta figura, apesar do próprio ministério reconhecer que o seu uso é discricionário e injusto. Numa nota do gabinete da secretária de Estado Adjunta e da Justiça, de Maio do ano passado, defende-se a necessidade de avançar com as promoções para “legitimar o exercício de funções de chefia de uma forma justa e respeitando os critérios estatutariamente fixados, sob pena de se manter a discricionariedade existente e permitir-se o exercício por quem não reúne os requisitos para o efeito”. A mesma nota lembra que “em muitos tribunais não existem candidatos com as condições necessárias e não é possível o recurso a esta figura fora do serviço em que o oficial de justiça está colocado”. Mas a promoções destes funcionários não está nos planos do MJ, pelo menos até 2018.

Promoções desbloqueadas

O Ministério da Justiça conseguiu que o Orçamento de Estado deste ano autorizasse a promoção de outros 400 oficiais de justiça que estão há anos na base da carreira. Foi, por isso, com surpresa e indignação que os sindicatos tiveram conhecimento, através de um despacho do director-geral da Administração da Justiça, divulgado no início da semana passada, que as promoções não estavam previstas no movimento anual dos oficiais de Justiça, que ocorre em Junho, porque ainda não estavam “reunidas as condições orçamentais necessárias para a concretização das promoções”. Contudo, em alguns dias, a situação foi ultrapassada. “O despacho do diretor-geral da Administração da Justiça foi emitido por precaução numa altura em que as condições orçamentais ainda não estavam reunidas, situação que, já esta semana [na semana passada], foi possível desbloquear junto do Ministério da Finanças”, explica o MJ. As vagas são para os cargos intermédios de escrivães adjuntos e técnicos de justiça adjuntos, funções que alguns já estão a desempenhar há mais de uma década. Contudo, como a lei não está prevê a possibilidade de serem remunerados pelas funções efectivas (o que acontece só para os cargos de chefia), continuam a receber pela categoria base.

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