Há mais partos e mais casais a “arriscar” ter o terceiro filho

Até em Trás-os-Montes e no Alentejo estão a nascer mais crianças. Houve "um período em que as pessoas estavam quase bloqueadas pelo receio do futuro, e mesmo que a situação até possa não se ter alterado muito, em termos psicológicos mudou”, diz director do Centro Materno-Infantil do Norte.

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ADRIANO MIRANDA

Os números são inequívocos: pelo segundo ano consecutivo, estão a nascer mais bebés em todo o país, mesmo nas envelhecidas e desertificadas regiões de Trás-os-Montes e Alentejo. Em meio ano, os hospitais públicos fizeram mais 1551 partos do que no primeiro semestre de 2015, um aumento de quase 5%. Os portugueses parecem estar a confiar mais no futuro e decidiram arriscar e ter filhos, após anos de adiamentos forçados pela crise, comentam vários profissionais de saúde e uma demógrafa ouvidos pelo PÚBLICO.

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Depois de a natalidade ter “batido no fundo”, há mais casais a ponderar ter o segundo filho e alguns avançam mesmo para o terceiro, sublinham.

“Há alturas em que fazemos 25 partos por dia, o que há muito tempo não acontecia”, contabiliza, satisfeito, Caldas Afonso, director do Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN). “Depois de um período em que as pessoas estavam quase bloqueadas pelo receio do futuro, e mesmo que, na prática, a situação até possa não se ter alterado muito, em termos psicológicos mudou”, observa o pediatra que está à frente do CMIN (integrado no Centro Hospitalar do Porto), onde nos primeiros seis meses deste ano nasceram 1558 bebés.

Este é o segundo maior bloco de partos do país, logo a seguir à Maternidade Alfredo da Costa — MAC (que faz parte do Centro Hospitalar de Lisboa Central).

Na MAC, que em meio ano viu nascer 1694 crianças, o acréscimo foi ligeiro, mas também já se verificava desde 2015. “As pessoas estiveram à espera que a crise passasse e, como esta não passou mas queriam muito ter filhos, decidiram mesmo avançar”, teoriza Maria José Alves, directora do serviço de medicina materno-fetal da instituição.

No Porto, o CMIN, que oferece quartos individuais e epidural generalizada, está mesmo a concorrer, “no bom sentido”, com as unidades privadas, destaca Caldas Afonso. A direcção do CMIN até planeia abrir um infantário para os filhos dos funcionários, um investimento “que, além de ser a nossa responsabilidade social, seguramente se reflectirá na taxa de absentismo”. “Ter onde deixar os filhos pequenos quando se trabalha até mais tarde é justamente uma das grandes dificuldades dos casais portugueses”, justifica.

Na MAC, que recebe “casos complicados e de alto risco enviados por outros hospitais”, apesar de a sala de partos ter sido renovada e de ser possível aos pais assistir ao nascimento dos filhos, as condições hoteleiras no pós-parto continuam, ao contrário do CMIN, a não ser são as melhores. “Ainda há enfermarias com seis e oito camas”,  lamenta Maria José Alves.

Dar condições às mulheres

Melhorar as instalações está programado no plano estratégico, diz a médica, que defende com veemência que é preciso dar condições às mulheres para que tenham os filhos que querem ter. Muitas vezes o segundo filho não acontece porque o primeiro já nasceu tarde, explica, ao mesmo tempo que sublinha que lhe parece estar “a aumentar muito o número de mulheres que arrisca ter o terceiro”. “É preciso valorizar estas pessoas”, frisa.

Na Grande Lisboa, os dados da Administração Central do Sistema de Saúde provam que também aumentaram os partos nos centros hospitalares de Lisboa Norte (Santa Maria) e Ocidental (S. Francisco Xavier), mas foi o hospital Garcia de Orta (Almada) que registou o maior crescimento, quase 15% mais do que no primeiro semestre de 2015.

Noutros pontos do país, nos centros hospitalares com maior número de partos em termos globais (o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e o Centro Hospitalar do Algarve) — mas que têm duas maternidades cada um (a Bissaya Barreto e a Daniel de Matos, em Coimbra, e a de Portimão e a de Faro, no Algarve) —, verificou-se, no primeiro caso, uma estabilização e, no segundo, um aumento de 6,6%.

Maior crescimento no Algarve

Em termos regionais, foi no Algarve que comparativamente nasceram mais crianças nos hospitais públicos no primeiro semestre, ainda que o fenómeno se tenha replicado um pouco por todo o país. No Alentejo, à excepção da Unidade Local de Saúde (ULS) do Norte Alentejano (Elvas e Portalegre), onde nasceram menos bebés, verificou-se um acréscimo tanto na ULS do Baixo Alentejo (Beja) como no Hospital de Évora. O mesmo aconteceu em Trás-os-Montes. Na ULS do Nordeste (Bragança) fizeram-se mais 17 partos entre Janeiro e Junho.

No Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Maria do Céu Almeida, directora do serviço de obstetrícia, lamenta que ainda não tenha sido possível fazer a junção das duas salas de parto (maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos), enquanto recorda igualmente que, após “a queda abrupta verificada entre 2009 e 2014”, no ano passado o número de partos cresceu e este ano está estabilizado.

“Os casais confiam nas nossas equipas, na segurança oferecida. Agora, chegamos a fazer 12 a 13 partos por dia [em cada uma das duas maternidades]. Penso que as pessoas perceberam que não valerá a pena continuar a esperar por melhores dias que não virão. Não podem adiar mais”, frisa a médica. Nota ainda que são cada vez mais os que decidem partir para o segundo filho e outros mesmo para o terceiro. Esta última situação, que começava a ser olhada como excepcional, tem voltado a aparecer, acentua.

“Tendência animadora"

Na região Centro, houve, entretanto, hospitais que investiram em salas de partos renovadas, como Viseu e  Aveiro, e o certo é que os nascimentos aumentaram nestes hospitais, de forma expressiva. Também no Norte se observaram crescimentos assinaláveis em vários hospitais públicos.

“Há um reacender da natalidade. Tínhamos batido no fundo, houve um acumular e isso tem-se notado nos serviços públicos. É uma tendência animadora, o país precisa de sangue novo, é um grande estímulo, é muito positivo”, destaca Daniel Pereira da Silva, membro do colégio da especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos.

“Depois da debacle [hecatombe] de 2009, 2010, em que houve uma queda de 20% — passámos de cerca de 100 mil para pouco mais de 80 mil —, está a melhorar um bocadinho, mas, até chegarmos aos 100 mil, falta um bocado”, contextualiza, prudente, Luís Graça, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal.

Em 2015 nasceram 85.500 crianças em todo o país, nos hospitais públicos e nos privados. “Este ano poderemos aproximar-nos dos 88 mil, 89 mil, algo minimamente decente. Isto foi muito complicado em termos financeiros, as pessoas assustaram-se e adiaram a gravidez. Mas chega-se a um ponto em que não se pode adiar mais”, resume.

“Alguns casais evitaram ter o segundo filho e agora lá se decidiram. As coisas estar-se-ão a equilibrar. Mas há um problema que já não conseguimos contornar: a quantidade de mulheres e homens em idade fértil que emigraram. Se tiverem filhos e este regressarem num prazo relativamente curto, vão ser portugueses. Senão…”.

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