Governo garante que não vai privatizar a ADSE

Ministério da Saúde demarca-se das propostas da comissão de peritos diz que decisão não está fechada. Sindicatos contestam solução.

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A solução apresentada defende a transformação da ADSE numa associação privada sem fins lucrativos Rui Gaudêncio

O Ministério da Saúde demarcou-se nesta quarta-feira das conclusões do grupo de peritos mandatado pelo Governo para estudar a reforma da ADSE, sublinhando que nenhuma decisão sobre o novo modelo está tomada e que qualquer solução que venha a ser adoptada não passará pela privatização do subsistema de saúde dos funcionários públicos e aposentados do Estado.

"Cumpre reafirmar que, em nenhum momento, serão apresentadas quaisquer medidas que tenham como objectivo a privatização total ou parcial da ADSE. Importa acima de tudo reafirmar a preocupação central com a sustentabilidade da ADSE, reforçando os mecanismos de estabilidade e de confiança que cumpram as legítimas expectativas do conjunto dos seus beneficiários", explicita o gabinete do ministro da Saúde, em comunicado divulgado hoje.

Logo pela manhã, uma fonte do gabinete do ministro Adalberto Campos Fernandes tinha assegurado à agência Lusa que "não está a ponderar privatizar a ADSE", como, aliás, o governante já tinha garantido há semanas. A escolha do novo modelo institucional da ADSE acontecerá até ao final do ano, precisou.

O gabinete do ministro esclarece agora que ao ministério "incumbe, nesta fase, elaborar a proposta de procedimento legislativo" e que terá em conta os diferentes documentos produzidos sobre a ADSE, não só o da comissão de peritos, mas também o da Entidade Reguladora da Saúde e o do Tribunal de Contas, "bem como os relevantes contributos recolhidos junto dos parceiros sociais, em particular das estruturas sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública".

O relatório final da Comissão de Reforma da ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado), divulgado nesta terça-feira, defende a sua transformação numa associação privada sem fins lucrativos e de utilidade pública, que seria aberta a todos os trabalhadores da administração pública, incluindo os que têm contratos a termo com duração superior a seis meses, num modelo em que o Estado não terá responsabilidade financeira mas deve acompanhar e fiscalizar o seu funcionamento. Esta solução já mereceu o repúdio dos sindicatos, para quem a saída da gestão da ADSE da esfera do Estado equivalerá, na prática, à extinção deste subsistema de saúde tal como foi originalmente concebido.

Quatro mil contributos

Presidido por Pedro Pita Barros, professor universitário e especialista em economia da saúde, o grupo de especialistas defende que a transição para o novo modelo deve ser gradual, estendendo-se por um período de dois anos, e enquadrar-se na figura jurídica de "pessoa colectiva de direito privado de tipo associativo, sem fins lucrativos e de utilidade pública administrativa", como tinham proposto no relatório preliminar que esteve em discussão pública e motivou quase quatro mil contributos.

Mas a opção de uma associação deste tipo, acreditam, será mais vantajosa do que as outras duas alternativas avançadas no relatório preliminar - e que passariam ou pela extinção da ADSE ou pela transferência da carteira de beneficiários a seguradoras privadas. 

Sendo agora a ADSE “integralmente financiada pelas contribuições dos seus associados, deverão estes últimos ter participação nas decisões fundamentais de administração e gestão”, frisam os peritos, que asseguram ter ponderado vários figurinos institucionais possíveis para o novo modelo de funcionamento do subsistema — como o de associação mutualista e o de instituto público, além do de fundação pública ou privada ou mesmo de cooperativa. Mas a opção escolhida, justificam, “apresenta uma flexibilidade muito maior no desenho legislativo, podendo a intervenção do Estado ser doseada”, além de que permite à ADSE "rentabilizar os excedentes das quotizações" e não ficar "exposta aos riscos que decorrem da sujeição às regras da execução orçamental".

Relativamente à discussão da retirada da ADSE do perímetro do Orçamento do Estado, é "relevante", consideram, assegurar que esse movimento de saída “não implica forçosamente a insustentabilidade financeira da ADSE e o seu desaparecimento em breve". Ao mesmo tempo, notam que é determinante esclarecer se o Estado deverá voltar a contribuir no caso de o sistema da ADSE vier a estar "no futuro tecnicamente falido". Neste modelo, caberia à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) assegurar a sua regulação.

Os peritos continuam a não fazer qualquer consideração sobre se o actual desconto — de 3,5% do salário dos funcionários públicos — deverá ser aumentado ou é suficiente e também não se se pronunciam sobre as propostas de alargamento da ADSE a cônjuges e filhos até aos 30 anos, que chegaram a ser equacionadas na discussão do Orçamento do Estado. São decisões que terão de ser tomadas pela futura entidade responsável pela ADSE.

Tudo em aberto

Já ontem, o Ministério da Saúde dizia em resposta escrita enviada ao PÚBLICO que "a questão da ADSE continua em estudo e ainda não foram tomadas decisões sobre essa matéria". Acrescentou, aliás, que o relatório agora divulgado "é muito claro logo no início", quando frisa que as opiniões da comissão "representam as visões dos membros que a integram" e "não reflectem necessariamente as visões" da tutela.

O mesmo foi repetido nesta quarta-feira por fonte oficial do ministério à Lusa, segundo a qual o relatório da comissão de reforma “é um contributo importante” que vai ser tido em conta, “tal como vão ser as recomendações do Tribunal de Contas e da Entidade Reguladora da Saúde" sobre o futuro da ADSE.

Já os sindicatos mostram-se frontalmente contra a proposta agora conhecida e insistem que a ADSE só será viável se continuar a ser financiada pelo Estado. Em declarações hoje à agência Lusa, o secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP), José Abraão, rejeitou a possibilidade de privatização da ADSE, defendendo que esta deve manter-se na esfera pública. Por sua vez, a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Helena Rodrigues, considerou que a proposta de privatização significa a extinção da ADSE e acusou o Governo de ceder a pressões das seguradoras.

Notícia corrigida às 17h43: ao contrário do que se afirmava na versão original da notícia, o relatório final da comissão para a reforma da ADSE não sugere que esta venha a ser gerida por uma operadora de seguros de saúde privada. Essa opção constava apenas da versão preliminar do relatório que esteve em consulta pública

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