De quem é a árvore que caiu? Paróquia e Câmara do Funchal não se entendem

Carvalho não foi fiscalizado porque não foi sinalizado. Director regional das florestas nos governos de João Jardim diz ser urgente a criação de directivas para que os técnicos saibam como e quando fiscalizar as árvores.

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LUSA/HOMEM DE GOUVEIA

A Câmara do Funchal e a paróquia de Nossa Senhora do Monte não se entendem quanto à posse do terreno onde estava o carvalho que esta terça-feira caiu, provocando a morte de 13 pessoas.

A árvore que se situava na encosta sobranceira ao Largo da Fonte encontrava-se, diz a autarquia, “num terreno que pertence à Fábrica da Igreja de Nossa Senhora do Monte desde 16 de Outubro de 1959”. De acordo com a resposta escrita enviada por Paulo Pereira, adjunto da presidência, o terreno pertencia à câmara até ter sido acordada a transacção com a diocese, há 57 anos.

Algo que o pároco do Monte rejeita. Ao Funchal Notícias¸ Giselo Andrade garantiu que a propriedade da paróquia se restringe à igreja do Monte e não é responsável pela manutenção dos terrenos que separam esse edifício do Largo da Fonte. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar a paróquia.

Já o governo regional é peremptório: “Os acontecimentos de 15 de agosto ocorreram em área pública municipal”, respondeu por escrito o gabinete da presidência. Já esta terça-feira, Miguel Albuquerque, que dirige o governo regional, dissera aos jornalistas que o terreno era da câmara.

Ainda assim, a manutenção destas árvores, disse a presidente da Junta de Freguesia do Monte, Idalina Silva, é habitualmente feita pela câmara municipal. Algo que o município comprova.

Na última vistoria às árvores do Largo da Fonte, a 20 de Abril, os técnicos municipais do Departamento de Ciência e Recursos Naturais observaram apenas os plátanos, uma vez que “nunca deu entrada qualquer queixa com vista à inspecção ou abate” do carvalho em causa, adianta a autarquia. O que é, aliás, norma: é nos plátanos que se “centram as vistorias técnicas regulares”. “Também são vistoriadas quaisquer outras árvores que estejam sinalizadas, o que não era o caso do carvalho”, ressalvou Paulo Pereira.

Não houve, portanto, acções de fiscalização que comprovassem que o carvalho em causa era uma árvore “verde e saudável”, como a classificou o presidente da câmara, Paulo Cafôfo.

A anterior vistoria aconteceu em Setembro de 2016 e foi feita pelo Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais. O relatório foi depois entregue à autarquia.

A Câmara do Funchal justifica que não fiscalizou o carvalho porque nunca recebeu queixas “nem da parte de instituições públicas, da junta de freguesia, do proprietário do terreno, nem de cidadãos. Todos os pedidos e reclamações que deram entrada nos serviços camarários, desde 2013, disseram respeito aos plátanos”, que a autarquia diz limpar e podar com frequência.

Vistorias ficam “ao critério de cada um”

A peritagem no local do acidente começou esta quarta-feira. Trabalhos que, segundo a autarquia, foram levados a cabo por Pedro Ginja, engenheiro agrícola, apoiado por Ana Paula Ramos, do Instituto Superior de Agronomia, a partir de Lisboa. A observar esteve o director do Departamento de Ciência e Recursos Naturais da autarquia, José Carlos Marques, o responsável pelos jardins e espaços verdes, Francisco Andrade, e Paulo Rocha da Silva, engenheiro técnico agrário.

De acordo com Rocha da Silva, que foi director regional das florestas nos governos de Alberto João Jardim de 1983 a 2015, a paróquia convidou-o a observar os trabalhos, por ser parte interessada no processo.

Ao ver a árvore cortada, Paulo Rocha da Silva afirma que “é notória a podridão de grande parte do tronco”. Se isso seria visível do exterior, “depende da observação que tenha sido feita”, diz.

O engenheiro afirma que os técnicos municipais não têm quaisquer directivas “sobre o que observar e quando o fazer. Fica ao critério de cada um”. Por isso as vistorias não são regulares, mas “marcadas consoante as queixas”.

E é muito crítico da “falta de uma legislação que obrigue à fiscalização das árvores”. “Sempre que são sinalizadas, acontece porque as patologias já são visíveis, o que quer dizer que a doença está muito adiantada. Tem que haver especialistas que olhem para as árvores com critérios para que haja alguma noção dos riscos. Não podem ser as pessoas que tratam dos jardins a chamar a atenção quando já é tarde demais”, refere Paulo Rocha da Silva.

O engenheiro acredita que um acidente semelhante ao do Monte “pode acontecer em qualquer ponto do país”. A existir, “este conjunto de normas”, também defenderia o trabalho dos técnicos municipais, acredita Paulo Rocha da Silva.

Em Agosto de 2010, a queda de uma palmeira durante um comício do PSD-Madeira em Porto Santo provocou duas vítimas mortais e o caso chegou aos tribunais. O antigo presidente da câmara e dois vereadores foram condenados a pena suspensa de prisão por dois crime por homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência.

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