Familiares de ex-mineiros mortos com cancro podem receber entre 30 a 50 mil euros

Segurança Social já publicou requerimentos a preencher pelos cônjuges ou filhos dos ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, mortos por doenças provocadas pela exposição à radioactividade.

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Há muito que os ex-trabalhadores reclamavam o direito às indemnizações Nélson Garrido (arquivo)

Foi mais de uma década de espera, mas a Segurança Social (SS) tem finalmente disponíveis as verbas para indemnizar os familiares dos ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio (ENU) que morreram na sequência de neoplasias causadas pela exposição à radioactividade. Os requerimentos para a candidatura à indemnização já estão disponíveis no site da SS e a Associação dos Ex-Trabalhadores das Minas de Urânio (ATMU) promete abrir já na próxima semana um gabinete nas antigas instalações do complexo mineiro, na Urgeiriça, concelho de Nelas, para ajudar os familiares das vítimas no preenchimento das formalidades necessárias.

“Há questões em que os familiares têm de ser ajudados, nomeadamente na obtenção da documentação necessária, como certidões de óbito e declarações médicas a atestar que a morte se deveu a uma neoplasia, atestados de viuvez, relações de bens… Há processos [médicos] que já não aparecem nos hospitais, certidões em que a morte aparecia como tendo decorrido de causa desconhecida e estamos a falar de pessoas com dificuldades de interpretação, viúvas de zonas do interior…”, justificou ao PÚBLICO António Minhoto, ex-funcionário da ENU e presidente da associação que, desde o encerramento da empresa, em 2004, se vem batendo pelos direitos dos familiares das vítimas.

Inicialmente apontava-se para cerca de 70 mortes directamente causadas pela exposição ao urânio, mas o presidente da ATMU calcula que serão muitas mais: “Andarão à volta de 150, mas muitos casos serão difíceis de provar porque, nos anos 60 e 70, dizia-se que os trabalhadores morriam por causa desconhecida”, recorda, para sublinhar que estas mortes deixaram atrás de si famílias inteiras em situação de profunda vulnerabilidade social. “Há pais que morreram aos 40 anos e deixaram duas e três crianças pequenas, viúvas que nunca mais refizeram a sua vida e tiveram de lutar pela sobrevivência, mesmo que para isso tivessem que impedir os seus filhos de continuar na escola.”

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“Vulnerabilidade e desprotecção”

As indemnizações podem variar entre os 50 mil euros, caso a vítima tivesse menos de 55 anos à data do óbito, e os 30 mil euros, aplicáveis aos familiares das vítimas com mais de 65 anos de idade à data da morte. A lei n.º 10/2016, de 4 de Abril, estabeleceu que o direito à compensação cabe ao cônjuge sobrevivo ou à pessoa que, à data da morte do trabalhador, vivia com este em união de facto, ou ainda, em caso de falecimento deste, aos filhos. A portaria n.º 183/2016, publicada no passado dia 11, e que começa por reconhecer que a morte precoce de muitos trabalhadores das minas por neoplasias malignas “provocou situações de vulnerabilidade e desprotecção em diversas famílias”, define que o direito à indemnização depende de requerimento a apresentar pelo titular do direito e da apresentação de vários meios de prova, desde a certidão de óbito ou certidão médica à cópia da escritura de habilitação de herdeiros do trabalhador falecido.

“A APMU vai fazer a recepção dos processos, já a partir da próxima semana, e contamos dar entrada de alguns deles ainda durante este mês”, antevê António Minhoto, dizendo ter obtido da parte da secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, a garantia de que os processos correriam céleres. “É importante que ninguém seja prejudicado no acesso a esta compensação por faltar um ou outro documento”, sublinha ainda aquele dirigente associativo, para quem se trata de garantir que o Estado assuma a sua responsabilidade perante “as famílias e os trabalhadores que foram expostos a um trabalho duro e difícil sem conhecimento dos riscos que corriam".

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Ruínas da antiga mina da Urgeiriça, que chegou a empregar 550 pessoas Sérgio Azenha

Mais de 500 funcionários

António Minhoto acredita que muito mais mortes surgirão relacionadas com a exposição ao urânio. “Os antigos trabalhadores ainda vivos continuam a ser acompanhados e sujeitos a exames anuais para ver qual é o ponto da situação em termos de tumores e exposição. Na reunião do ano passado com a Administração Regional de Saúde do Centro, ficou combinado incluirmos uma TAC [tomografia axial computorizada] de baixa densidade na bateria anual de exames, porque hoje já ninguém questiona que os mineiros estão contaminados, bem como todos os trabalhadores que, de uma forma ou de outra, estiveram expostos à radioactividade, desde administrativos a motoristas, electricistas, mecânicos. E, infelizmente, é expectável que mais pessoas — além das que morreram e das que estão actualmente a ser tratadas a cancros no pulmão, na tiróide, nos intestinos — venham a morrer”, relata, para sublinhar que, entre os antigos trabalhadores da ENU, “a média de idades à morte não ultrapassa os 65 anos”.

O presidente da APMU trabalhou na ENU durante 14 anos. Foi despedido em 1989, quando ia já avançado o desmantelamento de uma empresa que chegou a somar 550 funcionários. Criada em 1977, com sede no complexo mineiro da Urgeiriça, no concelho de Nelas, a ENU teve a ser cargo a exploração das minas de urânio em Portugal até 2004, ano em que fechou as portas. Ainda antes de a empresa ter sido liquidada, e numa altura em que havia já casos de mortes por cancro e crianças com problemas nos brônquios e nos pulmões, o Governo decretou, em 1995, um regime especial de acesso às pensões de invalidez e velhice dos mineiros do urânio, a partir dos 50 anos. Posteriormente, os benefícios foram sendo alargados aos trabalhadores que, nunca tendo entrado nos túneis, exerciam funções em que estavam igualmente expostos à radioactividade daquele minério.

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