Família apresenta queixa-crime contra "todos os envolvidos" na morte de David Duarte

Jovem morreu enquanto aguardava tratamento após a ruptura de um aneurisma cerebral.

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Guilherme Marques

A família de David Duarte, acompanhada por uma advogada, informou nesta sexta-feira que no decorrer da próxima semana irá apresentar junto do Ministério Público uma queixa-crime “contra todos os envolvidos na cadeia de decisão” que entendem ter levado à morte do doente de 29 anos, no Hospital de São José, em Lisboa. 

Numa curta declaração, o tio de David Duarte, Francisco Manaio, descreveu a morte do sobrinho como “um acontecimento dramático de interesse público”, já que entende que “teve a vida interrompida por não ter sido socorrido atempadamente e de forma eficaz no Hospital de São José”. “O David podia ter sido qualquer um de nós em qualquer outro dia. Vamos apresentar brevemente uma queixa-crime contra todos os envolvidos na cadeia de decisão”, defendeu. 

“Pretendemos somente apurar as responsabilidades e perceber se os meios existentes no Serviço Nacional de Saúde foram geridos de acordo com as normas e leis em vigor. Queremos saber se o David teve ao seu dispor os meios necessários para poder lutar pela vida ou se esses meios lhe foram negados”, acrescentou o tio. Além de Francisco Manaio, na conferência esteve também presente a mãe e a sogra de David Duarte, mas que não prestaram declarações. 

Questionada sobre quem visa a queixa-crime, a advogada da família, Cristina Malhão, avançou que o processo não exclui nenhum dos intervenientes no processo e que caberá ao Ministério Público apurar as eventuais responsabilidades. “Cabe ao Ministério Público apurar todos os factos ao nível da gestão, da organização e do planeamento. Cabe aos serviços do Ministério Público apurar se foram praticados actos ou se pelo contrário não foram praticados actos quando eles deviam ter sido praticados e que levaram à morte de David Duarte”, acrescentou, defendendo que “a família tem todo o direito de fazer chegar a sua queixa ao Ministério Público, independentemente de sabermos que existe um inquérito a decorrer”.

A advogada justificou a cautela nas palavras não com a falta de convicção no processo, mas sim com as próprias exigências legais. “Uma coisa é a minha convicção. As minhas cautelas e o meu cuidado tem a ver também com a forma como nós, o nosso gabinete, encaramos e lidamos com os meios judiciários. Estes factos são de tal forma graves que é importante que haja serenidade e que eles sejam apurados no interior do inquérito. A cautela não tem a ver com fragilidades nem tem a ver com a falta de convicção, acreditamos que é preciso apurar responsabilidades e que existem realmente responsabilidades”, disse Cristina Malhão, que lembrou que a falta de equipas para responder a estes casos “era do conhecimento público”. 

A representante da família afirmou também que acredita que se está perante um caso de “direito à saúde quando existe perigo para a vida”. Quanto à queixa-crime, especificou que não visa em concreto o Hospital de São José, onde morreu David Duarte, mas “todas as entidades” directa ou indirectamente envolvidas. Questionada sobre o valor da indemnização que a família pretende, a advogada disse que essa questão não entra, para já, nesta fase do processo. Cristina Malhão explicou que estas acções visam repor as situações como elas estavam antes dos factos, mas admitiu que sendo a morte irreversível que vão acabar por ponderar um valor. 

David Duarte foi transferido do Hospital de Santarém para o Hospital de São José, em Lisboa, no final da tarde de uma sexta-feira, dia 11 de Dezembro. Tinha uma hemorragia cerebral na sequência da ruptura de um aneurisma e ficou internado nos cuidados intensivos até segunda-feira, para ser submetido a uma intervenção cirúrgica, já que durante o fim-de-semana não existiam equipas de neurocirurgião e de neurorradiologia disponíveis. Acabou por morrer na madrugada de 14 de Dezembro, enquanto aguardava. As equipas especializadas deixaram de fazer prevenção aos fins-de-semana na sequência dos cortes no pagamento de horas extraordinárias. Depois disso, foi noticiado que pelo menos outras quatro pessoas morreram em circunstâncias semelhantes nos últimos dois anos. 

Após a morte de David Duarte, o Ministério da Saúde pediu aos hospitais que fizessem o levantamento das situações mais críticas de carências de especialistas a nível nacional, para evitar que se repitam estas situações. Os hospitais de Lisboa reorganizaram-se e já está de novo garantida a resposta de equipas de neurocirurgia e neurorradiologia ao fim-de-semana, de forma rotativa. Mas a prioridade é também uma organização mais global dos serviços na capital e por isso a tutela criou um “grupo coordenador da Urgência Metropolitana de Lisboa” que vai de imediato começar a avaliar os “constrangimentos existentes” nos hospitais e procurar soluções para as “disfunções identificadas”. O caso levou à demissão da presidente do Centro Hospitalar de Lisboa Central (de que faz parte o Hospital de São José), do presidente do Centro Hospitalar de Lisboa Norte e do presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

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