Esta crónica não tem assunto. pretende, mesmo assim, lê-la?

Stephen Hawking voltou a alertar para os perigos da Inteligência Artificial. Receia que a humanidade venha a ser subjugada por computadores super-inteligentes. Como o Arnold Schwarzenegger no Exterminador Implacável, mas com mais vocabulário. E menos estilo.

É natural que um génio como Stephen Hawking se preocupe com computadores que o ultrapassem em intelecto: ele tem a noção do inteligente que é e imagina o poder destruidor de uma máquina que o suplante. E é também natural que eu me inquiete com a existência de computadores que me ultrapassem em acinte: tenho bem a noção do irritante que sou e imagino o poder arreliador de uma máquina que me suplante.

Pode ser irresponsabilidade minha, mas estou menos preocupado com a Inteligência Artificial do que com a Insolência Artificial. Eu sei que o Skynet é ameaçador, mas isso não é nada comparado com o meu iPhone, que é impertinente.

Às vezes, quando tento mandar um e-mail e ele pergunta-me: “Esta mensagem não tem assunto. Pretende, mesmo assim, enviá-la?” Assim, lacónico. Não há um “lol” a desfazer, não há uma carinha redonda a piscar o olho. Nada. Só a seca arrogância de um adolescente enfadado. A diferença entre um computador inteligente e um computador insolente é o “mesmo assim”. Impressionante, como é que uma sucessão de zeros e uns consegue ser tão sarcástica. A inteligência artificial aniquila, mas a insolência artificial achincalha. A primeira pode fazer-nos desaparecer, mas a segunda faz-nos querer desaparecer, à conta do embaraço. Stephen Hawking receia um futuro em que as máquinas se revoltem, mas eu temo é o dia em que o meu telefone diga: “Esta é que é a tua fotografia do perfil?” Já tenho inseguranças que cheguem e não preciso de um robot armado em bom a ridicularizar-me.

Sabemos que estamos totalmente dependentes dos computadores quando nos começam a enxovalhar e, mesmo assim, continuamos a carregar-lhes a bateria todas as noites.

Agora, a angústia que nos provoca os computadores espertos do futuro não é razão para ressuscitar os computadores burros do passado. Que é o que nos preparamos para fazer com o relançamento do ZX Spectrum.

O inventor que nos deu o Spectrum achou que estava na altura de nos dar o Spectrum. Pelos vistos, as aspas no Load “ “ querem mesmo dizer idem.

A nostalgia dos anos 80 é a criatividade dos pobres. Pegar em produtos ultrapassados e voltar a pô-los à venda porque, há 30 anos, nos divertimos a usá-los, é negócio. Só falta alguém lembrar-se de relançar as Bombocas em versão gourmet e fazer um remake do Verão Azul (em que o Chanquete é agora uma lésbica vegetariana, militante anti-pesca, mas ainda com a ternurenta barba branca, claro), para eu poder reviver as minhas tardes de sábado em 1984. Claro que, para isso acontecer, também tenho de andar à bulha com os meus irmãos, pelo melhor lugar no sofá. O que, aos 37 anos, é capaz de ser excessivamente nostálgico para a mobília de casa dos meus pais. Já não faz sentido. Em 1988, aos 12 anos, a Sandra do 6º C deu-me um beijinho na boca. Na altura foi estupendo. Agora seria só sinistro e ilegal.

(Se alguém tiver mesmo estas ideias ou outras do género, não as assente no iPhone. Arrisca-se a que apareça uma mensagem: “remake do Verão Azul? A sério?”)

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