Entrada da troika dificultou isenções a imigrantes

Socióloga argentina perita em saúde nota que a característica portuguesa de usar a política de caso a caso acaba por discriminar estrangeiros.

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Beatriz Padilla é também autora do capítulo da saúde do Mipex, o índice de políticas de integração DR

A socióloga Beatriz Padilla vive em Portugal desde 2002 e explica ao PÚBLICO que a entrada da troika marcou uma mudança no atendimento aos imigrantes em situação irregular. Essa mudança envolve “tudo o que tem a ver com isenção de taxas moderadoras”, diz a também investigadora principal do Centro de Investigações e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, envolvida em vários projectos sobre saúde e imigrantes. A isenção é dada através de Segurança Social, mas quem toma a decisão é o Ministério das Finanças, explica. Ora, “existem muitas possibilidades de um imigrante indocumentado não ter os impostos” em dia.  

Um segundo problema tem a ver com o portal da saúde na Internet: os pedidos online passaram a ser a prática, para um imigrante que não fala português isso é mais complicado. Terceiro problema: para ser atendido, um imigrante tem de ser considerado residente em Portugal, apresentando o certificado da Junta de Freguesia, e “muitas pedem duas testemunhas que precisam de ser portugueses e recenseados”. 

Acrescenta-se outra característica portuguesa que influencia o desfecho de casos como os que foram relatados pelo PÚBLICO, analisa: “Há sempre espaço para o que é a discricionariedade administrativa – o funcionário tem capacidade para decidir e isso ainda mais marcante para imigrantes. Ou seja, há uma forma de resolução caso a caso, o que acaba por discriminar.”

Entre os imigrantes “indocumentados” em Portugal há os que sempre o foram; há quem tenha entrado de forma legal mas nunca tenha pedido autorização de residência; há os que deixaram passar o prazo de renovação por perderem contrato de trabalho e há ainda os que chegaram antes de 90 dias e não são definidos como imigrantes mas como turistas. Das suas investigações, as grandes queixas no acesso à saúde têm a ver com a “falta de sensibilidade para as diferenças culturais”, conta.

Em relação aos imigrantes indocumentados há “queixas de recusa de atendimento” ao abrigo da isenção de taxas. “O imigrante normalmente não tem recursos. Chega a um centro de saúde e tem que ser atendido primeiro como doente esporádico. As unidades de saúde familiar não permitem o atendimento sem número de utente, o que à partida os deixa de fora. Se a grávida é indocumentada consegue ser atendida sem número de utente como doente esporádico; mas mesmo que tenha uma barriga enorme, na primeira consulta tem sempre que pagar para fazer o teste e passarem-lhe a guia de isenção. Pode é depois pedir que seja devolvida a taxa da consulta”, contextualiza.

O que muitas imigrantes acabam por fazer é ir aos hospitais pois aí conseguem uma resposta mais rápida e completa, fazendo os testes e diagnósticos, conta. Outro caso típico é o que se passou com Sabba Jalal. Cada vez há mais subcontratação pela parte do Estado, quem está indocumentado muitas vezes não consegue fazer exames nessas empresas porque não tem número de utente.

“Não há igualdade no acesso à saúde porque os imigrantes precisam de mais documentos, estão mais vulneráveis e têm menos possibilidade de acesso”, diz. O que deveria ser feito? “Devíamos integrar porque se tivermos melhor saúde nos imigrantes, melhora a saúde geral da população que vive em Portugal. Mas esta é uma decisão política que tem custos”, conclui.  

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