Entidades fiscalizadoras acreditam que houve intencionalidade na administração de nitrofuranos

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Farinha de peixe, banha de porco e cloreto de colina utilizadas em rações para aves vão agora ser analisados, a pedido dos industriais Pedro Cunha/PÚBLICO

A Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais (IACA) está convencida de que a utilização de matérias-primas contaminadas com nitrofuranos na elaboração das rações para aves é que terá sido a causa dos resultados positivos registados na carne portuguesa. A tese, que afastaria a culpa dos fabricantes de rações e dos criadores, não parece, no entanto, convencer as entidades fiscalizadoras.

Direcção-Geral de Veterinária (DGV), Inspecção-Geral das Actividades Económicas (IGAE) e Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNIV) contestam a hipótese avançada pela indústria de rações e acreditam que, na maioria dos casos, terá havido intencionalidade na administração dos nitrofuranos.

"Pensamos que alguns compostos que integram as rações já vêm contaminados de fora. Fizemos análises a algumas matérias-primas que importamos da União Europeia e de países terceiros e obtivemos alguns resultados positivos", fundamenta Alberto Campos, presidente da IACA. Para comprovar a tese, a associação pediu à DGV que analisasse três matérias-primas (farinha de peixe, banha de porco e cloreto de colina) em oito das maiores empresas portuguesas de rações para aves. O pedido foi aceite. A recolha das amostras vai estar a cargo da IGAE e as análises serão efectuadas no LNIV.

Mas, mesmo antes de serem conhecidos os resultados, há quem se recuse a aceitar a versão defendida pela IACA. "Acreditamos que alguns criadores utilizavam indiscriminadamente os nitrofuranos porque tinham consciência de que não seriam detectados", diz uma fonte da inspecção económica.

Alexandre Galo, do LNIV, lembra, por seu lado, que já foram encontrados produtos proibidos armazenados em Portugal - 500 quilos de nitrofuranos apreendidos pela IGAE em Fevereiro, num aviário, numa fábrica de rações e num distribuidor de produtos alimentares para animais.

Carlos Agrela Pinheiro, director-geral de Veterinária, tem a mesma impressão, mas admite que possa haver excepções: "É possível que haja produtores sem consciência que estavam a administrar a substância [sem saber o que estava a fazer]".

Criminalizar a comercialização e a posse de nitrofuranos é um imperativo, defende a mesma fonte da IGAE. "Actualmente estes comportamentos só são contra-ordenações e, por isso, punidos com coimas. Se quem for apanhado com uma das substâncias proibidas pagar 250 euros, então o negócio é lucrativo e compensa transgredir", diz.

A dificuldade de investigação é outro dos problemas criados pela não criminalização da conduta. Os nitrofuranos são proibidos e por isso há algum cuidado na sua transacção, mas como a posse não é crime é difícil conseguir um mandado de busca, porque estes só podem ser decretados com base na suspeita grave de um delito criminal.

Controlo dos componentes das rações

Mesmo que a tese da IACA se confirmar, a responsabilidade dos industriais de rações não é excluída, podendo vir a ser acusados de negligência. "As empresas são responsáveis pelos produtos que lançam no mercado; por isso, se se querem assegurar da qualidade das matérias-primas que utilizam, devem fazer análises para se certificarem que elas não contêm produtos proibidos", afirma a fonte da inspecção económica. Carlos Agrela Pinheiro também defende que nesta situação as empresas estão obrigadas a fazer um auto-controlo dos componentes que integram nas rações. "Mesmo que fizéssemos essa fiscalização, isso não serviria de nada, porque só recentemente foi criado um método que permite detectar com mais rigor os nitrofuranos", contra-argumenta Alberto Campos.

Para o presidente da IACA, os baixos níveis detectados na carne comprovam a falta de intencionalidade na utilização das substâncias proibidas: "Os valores que aparecem são tão ínfimos que não tem qualquer efeito curativo ou preventivo". Fernando Ramos, especialista em composição alimentar e professor na faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra discorda e afasta e hipótese de contaminação pelas matérias-primas. "A quantidade encontrada na carne parece baixa, mas revela que nas rações os níveis de nitrofuranos eram muitos mais altos, o que leva a concluir que a administração foi intencional", explica o docente.

O especialista esclareceu ainda que os nitrofuranos são utilizados pelos criadores com um objectivo preventivo, para combater um parasita intestinal que pode dizimar as aves e causar um prejuízo grande aos produtores.

A discórdia de opiniões mantém-se na caracterização do problema. Enquanto para Alberto Campos os níveis encontrados retiram a situação do domínio da saúde pública, para Fernando Ramos a questão integra-se neste âmbito. "Nos últimos 20 anos assistimos a um grande crescimento das doenças cancerígenas explicado por factores de segurança alimentar e ambiental. Estas situações contribuem para acelerar o processo", defende o especialista em composição alimentar.

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