Desperdício alimentar: "Grandes empresas não são transparentes"

O especialista em redução do desperdício alimentar, Tristram Stuart, defende que as grandes supermercados devem divulgar "a quantidade de alimentos que desperdiçam".

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Rui Gaudêncio

Em Portugal, perdem-se um milhão de toneladas de comida por ano, 132 quilos/pessoa, ou 17% do que é produzido. Não é muito tendo em conta a média europeia, mas como olha para estes números?

Tenho a dizer que os dados recolhidos pelos países europeus são pouco fiáveis. Estes números são úteis mas não são suficientemente rigorosos para que possamos fazer comparações entre os diferentes países europeus.

Porquê?

Uma das principais razões é que as grandes empresas não são transparentes sobre os alimentos que realmente desperdiçam, menos ainda sobre o que provocam na cadeia de abastecimento. Por isso, a principal tarefa da minha organização é dizer às grandes empresas que meçam e publiquem a quantidade de alimentos que desperdiçam.

Está a ter êxito?

Alguns supermercados já estão a fazer isso. É muito útil porque se queremos investir na solução para um problema, temos que saber que problema é esse, que dimensão tem. Se o Governo quer aprovar legislação, terá de ter os números. Se uma instituição de solidariedade quer pegar nesses alimentos e distribui-los, tem de saber quanta comida dispõe e onde ela está. As empresas que se recusam a publicar estes dados estão a impedir uma solução. Fomos contactados pela Sonae [proprietária do PÚBLICO], porque uma das coisas que a minha organização faz é insultancy [um trocadilho que mistura insulto com consultoria]. O que dizemos é: primeiro meçam o vosso desperdício alimentar e tornem-no público; e comprometam-se com os objectivos de 2030. Precisamos de empresas como a Sonae – por favor escreva isto! Precisamos que estas empresas liderem o caminho para reduzir para metade o desperdício alimentar até 2030, que dêem o exemplo.

O Parlamento português apelou à criação de “uma rede nacional de combate ao desperdício alimentar que, simultaneamente, sensibilize e envolva as organizações da sociedade civil, os cidadãos e os autarcas”. É por aqui que devemos seguir?

Muitos países tentaram fazer coisas que envolvem todos os sectores. Claro que podem trazer coisas produtivas. Mas há dois ingredientes que são necessários: precisam de activistas que criem essa ameaça à imagem pública [das empresas]; e em segundo lugar, impedir que o Governo ache que não há espaço para nova legislação. No caso da lei inglesa, aprovada em 2013, proíbe os supermercados de cancelar uma ordem, ou corrigir uma previsão, que fará o produtor desperdiçar os seus alimentos. Levam multas pesadas. Essa abordagem da regulamentação é absolutamente fulcral, porque até haver um quadro legislativo claro que impeça os supermercados de agir dessa maneira, será difícil para as empresas tomar estas iniciativas, porque podem ficar em desvantagem concorrencial. Por isso é preciso elevar a fasquia para que haja mais regulamentação. Não é para ir contra os interesses das empresas, é para proteger os direitos dos consumidores. Claro que os acordos voluntários são óptimos, mas não significa que não se dêem murros na mesa.

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