É bom poder voltar

Partimos porque já não aguentamos mais onde estamos mas voltamos porque queremos voltar aonde estivemos.

Quando voltámos a casa dei com a Maria João a falar amavelmente com o manjericão, que vive connosco, dando-nos folhas diárias, desde Agosto do ano passado.

Pedia desculpa e agradecia o facto de não só não ter morrido como ter sobrevivido e singrado.

Voltar a casa – para a chuva e para o frio – depois de um tempinho no paraíso relativo (Tavira) – é uma felicidade disfarçada de desilusão.

É a sala de jantar; a casa de banho; a cama e a cozinha: o facto de serem nossos e conhecidos enaltece-os aos nossos olhos.

Voltar é melhor quando nunca deveríamos ter ido embora. Fugir é bom mas não tem graça nenhuma não ter onde voltar, sem medo de se ser preso por ter fugido.

Fugir e voltar é deliciosamente contraditório. Partimos porque já não aguentamos mais onde estamos mas voltamos porque queremos voltar aonde estivemos.

Tanto a partida como o regresso fazem parte da mesma alegre e verdadeira ciência de achar que interessa o sítio onde estamos.

A casa e a viagem casam-se quando podem: o instinto é termos o prazer simultâneo de estarmos à vontade e surpreendidos pelas mesmas indiscutíveis razões.

É bom poder voltar. Melhor ainda é aterrar num sítio paradisíaco que não conhecíamos. Tanto pode ser a terra mais longe da nossa casa como a nossa própria casa.

Na manhã seguinte, por ter deixado uma torneira aberta, a casa-de-banho está alagada de água gelada. É descoberta, pelas seis da manhã, pelos pés descalços do autor da brincadeira, praguejando.

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