Director da PJ vai fazer queixa do juiz Carlos Alexandre à magistratura

Legalização de cidadã brasileira que namorava narcotraficante informador da Judiciária suscitou queixas a juiz, que diz não confiar em funcionária que puseram a trabalhar com ele.

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Almeida Rodrigues (à esquerda) e Carlos Alexandre Miguel Manso

O director da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, vai apresentar uma queixa no Conselho Superior da Magistratura contra o juiz Carlos Alexandre por causa da legalização de uma cidadã brasileira, namorada de um narcotraficante.

Em causa estão comentários feitos pelo magistrado durante o interrogatório de um inspector da Judiciária suspeito de passar a traficantes informações que lhes permitiriam escapar ao controlo das autoridades, a troco de dinheiro. Tanto o inspector-chefe Ricardo Macedo como um colega seu já reformado, Dias Santos, trabalhavam no departamento da Judiciária que investiga este tipo de criminalidade, tendo sido acusados há poucos dias não só de tráfico de droga agravado como de associação criminosa e corrupção passiva, num processo em que há mais 27 arguidos. Ricardo Macedo e Dias Santos foram investigados pelos seus próprios colegas, no âmbito de uma operação policial que recebeu o sugestivo nome de Aquiles.

Ricardo Macedo estava a ser interrogado em Abril de 2016 pelo juiz quando contou que Jaques, um informador da Judiciária, conhecido das autoridades por ser traficante mas também por ter ligações a organizações terroristas, preferiu receber como recompensa da sua colaboração com a polícia a legalização da namorada, uma cidadã brasileira de 23 anos anos, em vez de ser pago em dinheiro. “Não fui eu que propus a legalização, foi a direcção da Polícia Judiciária”, esclareceu.

"Não me revejo em nada disso"

Carlos Alexandre reagiu de forma intempestiva. Disse que, caso dependesse dele, a questão seria escalpelizada até onde fosse preciso. “O dr. Almeida Rodrigues a assinar um pedido para que uma brasileira ficasse como cidadã nacional por compensação de ter sido prestado um bom serviço à polícia? Não me revejo em nada disso e vou reponderar essa parte gaga”, observou, admitindo que compete ao Ministério Público, e não a ele, averiguar o sucedido. “Temos pena, não me revejo nessa atitude”, repete, fazendo ainda uma alusão aos juízes que “se seguram” quando as autoridades policiais lhes pedem cooperação.

As críticas do superjuiz foram divulgadas na última edição do semanário Sol e não caíram bem ao director nacional da Polícia Judiciária, que acusa Carlos Alexandre de ignorância em matéria das leis de concessão de autorização de permanência em território nacional – que não é o mesmo que obter a nacionalidade portuguesa. “O juiz não sabe o que está a dizer. Desconhece a lei e faz comentários completamente desajustados”, reage Almeida Rodrigues. Fonte próxima deste responsável explica que o director nacional da Judiciária irá queixar-se do juiz ao Conselho Superior da Magistratura por violação dos deveres de correcção, imparcialidade e reserva que impendem sobre estes magistrados.

O pedido de legalização da namorada do narcotraficante remonta a 2012 e foi de facto feito por Almeida Rodrigues ao então director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Jarmela Palos, que agora responde em tribunal por corrupção e prevaricação no processo dos vistos gold. Foi um superior hierárquico de Ricardo Macedo quem, depois de se ter aconselhado com Jarmela Palos sobre a melhor forma de resolver o assunto, sugere ao director nacional da Judiciária que invoque uma disposição legal que permite atribuir excepcionalmente autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não reúnam condições para tal, desde que esteja em causa o interesse nacional.

“No âmbito das competências legais atribuídas à Polícia Judiciária no combate à criminalidade altamente organizada revela-se de particular interesse a permanência em território nacional da cidadã brasileira”, pode ler-se no ofício enviado ao director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.“Não conheço o informador nem a senhora. Limitei-me a assinar o ofício que me pediram”, diz Almeida Rodrigues, que lamenta ter visto a sua reputação manchada por ter recorrido a um procedimento legal.

“Tenho aqui uma pessoa em quem não confio"

Este não foi, de resto, o único aparte dos interrogatórios de Carlos Alexandre na Operação Aquiles. Noutra altura, quando inquiria o também inspector da Judiciária (reformado) e arguido Dias Santos, o magistrado afirma, alto e bom som, que tem a trabalhar com ele uma funcionária em quem não confia. “Chegámos a este ponto no Central”, lamenta, numa referência ao Tribunal Central de Instrução Criminal, onde além dele só trabalha mais um juiz. “Tenho aqui uma pessoa em quem não confio. Não sei quem cá pôs esta nova funcionária, nem porquê, mas isto há-de terminar mal – ou para mim ou para ela”, avisa, vaticinando que os seus desentendimentos com a oficial de justiça acabarão em processo-crime ou pelo menos em processo disciplinar.

Na acusação que deduziu na Operação Aquiles, o Ministério Público diz que tanto os dois inspectores da Judiciária como um cabo da GNR amigo de um deles e igualmente arguido tinham um nível de vida muito superior ao que os salários lhe permitiam, graças ao dinheiro que lhes era pago por cartéis de droga, nomeadamente colombianos. Ricardo Macedo, por exemplo, pagou perto de cinco mil euros para passar um final de ano em Cuba, enquanto Dias Santos desembolsou mais de três mil por um relógio de pulso de marca, tendo igualmente viajado até Cuba. Já o cabo da GNR tinha um cofre em casa onde, além de elevadas quantias em dinheiro, guardava moedas em ouro de colecção. Na sua residência foram apreendidos mais de 43 mil euros em notas.

Tanto Dias Santos como o guarda justificaram a sua abastança com heranças que tinham recebido no passado. No que ao inspector reformado diz respeito, a acusação diz ser mentira que tenha herdado muito dinheiro. Os arguidos negam os crimes que lhes são imputados. Já depois de se encontrar em prisão domiciliária Dias Santos comprou um Audi A4 por 74.500 euros, veículo que teve de lhe ser entregue em casa devido à situação em que se encontrava. 

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