Dezembro 2015: um SNS mais sustentável

A interrupção ou reversão do esforço de reequilíbrio financeiro terá consequências que, a prazo, poderão colocar em causa o modelo existente de Serviço Nacional de Saúde.

A publicação da “Síntese de Execução Orçamental - dezembro 2015” constitui a primeira aproximação à situação financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no final de 2015 e permite inferir a evolução da execução das contas desde 2011. 

No final de 2011, o setor da saúde registava uma dívida total a fornecedores de 3249 milhões de euros e os pagamentos em atraso (arrears) atingiam o valor de 1831 milhões de euros. Ambas as situações representavam um peso excessivo no financiamento operacional anual do SNS e uma ameaça, concretizada, de quebra de fornecimento pelos credores e consequente falência funcional do SNS.  Havia também desequilíbrios financeiros anuais muito elevados, quer nas administrações públicas (essencialmente as Administrações Regionais de Saúde), quer no sector empresarial (os hospitais EPE).

Em dezembro de 2015, e de acordo com os dados divulgados pela Direção Geral do Orçamento, o valor dos arrears era 455 milhões de euros (menos 1376 milhões do que no final de 2011) e o valor do défice da conta do SNS (incorporando os resultados dos hospitais EPE) foi de 259,4 milhões de euros, que devem ser comparados, embora com problemas de comparabilidade dadas as diferentes metodologias de consolidação, com cerca de 700 milhões euros de dezembro de 2011. O valor total da dívida situa-se agora em torno dos 1500 milhões de euros, menos de metade do valor verificado em 2011.

No período em análise os Hospitais públicos passaram a estar incluídos no perímetro de consolidação do Orçamento do Estado (anulando-se a questão da desorçamentação dos HEPE), o Fundo Apoio de Pagamentos do SNS (FASP)  foi extinto e o SUCH e os ACES Somos foram incluídos no perímetro de consolidação das contas públicas.

Parece assim ser evidente que se verificou, no período de 2011 a 2015, um profundo esforço de reequilíbrio financeiro do SNS, quer ao nível da dívida quer ao nível do défice orçamental, num contexto de dificil diminuição do financiamento operacional do SNS. 

Deve notar-se que a evolução do défice orçamental de novembro para dezembro de 2015 foi mais gravosa, do que a verificada em igual período de 2014. Para entendermos este padrão mensal atípico face ao ano anterior há que ter em conta se a totalidade das notas de crédito previstas no Acordo com a APIFARMA e no contrato com a GILEAD SCIENCES Lda, relativamente a novo medicamento para a Hepatite C, foram efetivamente entregues ou registadas. Por outro lado, nos anos de 2014 e 2015, as comparações entre os valores projetados para o saldo orçamental do SNS e os valores executados devem considerar o facto de, nesses anos, se terem utilizado parte dos saldos de gerência de anos anteriores gerados pelo sistema. A utilização dos saldos de gerência dos anos anteriores, quando utilizados para financiamento de despesas do ano geram, de acordo com convenção contabilística, défice orçamental. No momento de elaboração dos orçamentos os saldos de gerência não são conhecidos e, portanto, os orçamentos não preveem a utilização desses saldos. 

Isso explica, em larga medida, que o défice do SNS (incluindo as contas dos EPE) apresentasse um valor de cerca de 249 milhões de euros em dezembro de 2014 e 259 milhões de euros em dezembro de 2015 (o valor previsto no orçamento para 2015 era um défice de 30 milhões de euros). Ora, expurgados do efeito contabilístico da utilização dos saldos de gerência, os valores executados aproximam-se dos valores previstos no orçamento inicial (défice de 50 milhões de euros em 2014 e 59 milhões de euros em 2015 – na hipótese de valores idênticos de utilização de saldos de gerência anteriores).

E convirá não ignorar, que em 2015 a despesa cresceu: foi introduzido no âmbito do SNS um novo medicamento para a hepatite C, foi lançado um novo programa de cirurgias para diminuição dos tempos de espera, foi aumentado o número de colonoscopias e o valor pago pelas mesmas, alargou-se a rede de cuidados continuados e acentuou-se a diminuição de utentes sem médico de família.

Penso ser inquestionável a necessidade de prosseguir a trajetória de reequilíbrio financeiro, garantindo melhorias na qualidade e quantidade da prestação de cuidados de saúde aos portugueses, como evidenciam as melhorias dos principais indicadores de saúde ao longo dos últimos anos. A interrupção ou reversão do esforço de reequilíbrio financeiro terá consequências que, a prazo, poderão colocar em causa o modelo existente de Serviço Nacional de Saúde.

Ex-Secretário de Estado Adjunto da Saúde do XX Governo Constitucional

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