Da desconfiança da imigração à oportunidade de construir um país de acolhimento global

Portugal vive um inverno demográfico intensificado pelo efeito da emigração jovem recente. A imigração não é uma panaceia para os problemas portugueses, mas é um recurso que o país não se pode dar ao luxo de hostilizar.

Os resultados do estudo apresentado muito recentemente, baseados nos dados do European Social Survey (ESS), mostram, de acordo com os autores - e com base numa comparação dos anos de 2002/03 e de 2014/15-, que Portugal é um dos três países [logo a seguir à Hungria e República Checa] onde se encontra uma maior oposição à imigração. Será este um dado estranho?

Em geral, nada nos leva a afirmar que os portugueses são contra os imigrantes. Nem nas atitudes, nem nos atos quotidianos. Os portugueses são, desde há séculos, estruturalmente emigrantes e sentem como suas as dificuldades dos imigrantes. Saudade, esforço, resiliência, perseverança são atitudes que partilhamos com os imigrantes ao longo do tempo e do espaço. Como li, num grafiti inspirado, numa parede da cidade de Coimbra: “todos somos estrangeiros em algum lugar”.

Porém, todos os que nos dedicamos a pensar as questões das migrações, das identidades nacionais ou dos temas ligados à discriminação, sabemos que há um racismo cultural latente na nossa identidade coletiva. É um racismo que tem origem no colonialismo, que foi alimentado na guerra colonial e que se mantém latente, escondido, mas não esquecido. Não há ano que passe sem que episódios de racismo e xenofobia (ainda) nos espantem pela sua boçalidade e falta de racionalidade. Contra outros tons de pele, contra os ciganos, contra outras culturas e contra outras formas de sociabilidade.

A ciência há muito nos mostrou que a diferença da cor de um órgão (a pele) não é significativamente diferente da cor de outro (os olhos). Não explica nada a não ser a história genética de quem possui tais caraterísticas, não diferencia nada a não ser o preconceito de quem as avalia. Ser racista ou xenófobo no século XXI é apenas ser retrógrado e inculto. Ponto.

Volto às conclusões do estudo. Os portugueses são mais recetivos a proteger refugiados do que a acolher imigrantes. Procuro explicações. Talvez a acolhedora mensagem que o Estado e a sociedade portuguesa souberam construir nos últimos anos para responder à crise dos refugiados seja uma boa explicação para este grau de aceitação. Talvez o facto de Portugal ter sabido projetar uma imagem de país aberto aos refugiados ajude a cimentar a ideia de que os refugiados não são um inimigo. Talvez o número reduzido e a invisibilidade social dos refugiados ajudem a explicar esta ocorrência.

E em relação aos imigrantes? Porque existe uma tão grande oposição? Outras explicações. Talvez porque, num momento de desemprego elevado podemos ser (erradamente) levados a pensar que os imigrantes roubam os “nossos” empregos. Os imigrantes em Portugal são hoje complementares, mas não substituem a mão de obra nacional. Talvez porque a imigração em Portugal tenha uma elevada concentração geográfica num conjunto reduzido de regiões (na grande Lisboa e no Algarve). Talvez porque o Estado e a sociedade portuguesa não tenham sabido construir nos últimos anos uma mensagem impactante da importância da imigração em Portugal. Talvez porque sublinhamos o mérito dos “portugueses no mundo” mas nos esquecemos do mérito dos “cidadãos do mundo em Portugal”.

Portugal vive um inverno demográfico intensificado pelo efeito da emigração jovem recente. A imigração não é uma panaceia para os problemas portugueses, mas é um recurso que o país não se pode dar ao luxo de hostilizar. Em complemento com uma estratégia para, no médio prazo, criar as condições estruturais que promovam o regresso dos que partiram recentemente, em complemento com o incrementar de ligações com a diáspora, importa criar um plano nacional de atração de imigrantes que nos ajudem a promover o desenvolvimento económico e sociocultural. Um plano nacional de imigração que, à semelhança do desenvolvido por países como o Canadá ou a Austrália, compatibilize mobilidade e crescimento, compatibilize morabeza com futuro.

Ao acolhermos e integrarmos refugiados, gente como nós que foge de um conflito, da violência e da miséria, damos um passo no sentido certo. Saibamos (re)construir uma estratégia de acolhimento de imigrantes, construir um plano para a emigração e para os emigrantes. Se o fizermos de forma célere e eficiente, a Europa e o mundo saberão reconhecer a nossa idiossincrasia secular de sermos e sabermos ser cidadãos do mundo.

 

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