Cuidadores de doentes em casa devem ser "recompensados” por esse trabalho

Comissão para reforma hospitalar passa a ter 14 elementos e vai promover debates regionais antes e fórum nacional. Novo coordenador quer que população perceba as vantagens de não recorrer tanto às urgências.

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Fernando Regateiro diz que a prioridade é ouvir presidentes de câmaras e outros “actores locais”, como representantes das misericórdias e dos bombeiros Nelson Garrido

O novo coordenador do grupo que está a estudar a reforma hospitalar em Portugal quer ouvir muitas pessoas antes de avançar com propostas concretas mas já tem uma convicção. Vai ser preciso “retirar pessoas dos hospitais”, apostando, entre outras soluções, no” internamento no domicílio”, o que passará por usar as camas de doentes e convalescentes — que irão para casa e aí serão assistidos por equipas hospitalares, diz Fernando Regateiro. Quanto aos seus familiares ou outros cuidadores informais, esses devem passar a receber “uma recompensa pelo trabalho feito”, podendo desta forma “compor o orçamento familiar”, defende.

Há vantagens “humanas e financeiras” neste tipo de resposta alternativa, acredita Fernando Regateiro, que lembra que já estão em curso duas experiências piloto de internamento domiciliário em Lisboa, até porque a rede de cuidados continuados “não vai poder responder a todas as necessidades”.

Além desta resposta a “jusante”, o ex-administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra e antigo presidente da Administração Regional de Saúde do Centro mostra-se disposto a protagonizar um trabalho de “militância” para alterar a procura a “montante”, fazendo com que a população perceba quais são os inconvenientes da procura hospitalar inadequada e as vantagens do recurso ao médico de família em primeiro lugar. “Os hospitais são lugares onde se trata a doença, o fim de linha”, lembra o médico que é professor catedrático.

Mas para o novo coordenador para a reforma do Serviço Nacional de Saúde na área dos cuidados hospitalares (cuja nomeação foi esta terça-feira publicada em Diário da República) a prioridade é ouvir presidentes de câmaras e outros “actores locais”, como representantes das misericórdias e dos bombeiros, para definir o caminho a seguir.

A ideia é começar por promover debates locais e regionais e avançar depois para um “fórum nacional” em que serão apresentadas as soluções que “evidenciem melhores perspectivas de humanização dos cuidados hospitalares, racionalidade e eficiência”, sintetiza.

Consciente de que convencer as pessoas a não ir aos serviços de urgência (que são “as portas de entrada nos hospitais”) a não ser quando isso se justifique vai demorar algum tempo, até porque não tem “uma varinha mágica”, Regateiro quer criar condições para que isso possa acontecer e sublinha que vai bater-se pela diminuição dos tempos de espera para primeiras consultas de especialidade e cirurgias.

Quanto à reorganização da rede hospitalar, um assunto sempre muito polémico, prefere sublinhar que há “respostas redundantes que estão a ser resolvidas com fusões de hospitais e criação de centros hospitalares”. O que é necessário, agora, é que “os centros hospitalares façam chegar os especialistas aos doentes, não os obrigando a deslocar-se 50 ou mais quilómetros”. O que o novo coordenador quer mesmo evitar é a palavra encerramento – “é terrível, significa perda” . “Há formas [de reorganização] que passam por uma evolução dos modelos de resposta, criação e modelos de proximidade, a população precisa de entender que não está desprotegida”, diz.

Foi, aliás, para que o país ficasse completamente representado no grupo de trabalho que Fernando Regateiro decidiu reforçar com mais cinco elementos a equipa, que passa agora ser composta 14 especialistas. Os novos elementos vêm do Algarve, da Beira Interior, do Médio Oeste, e também de Lisboa e Porto. O Algarve requer “uma intervenção rápida” e esclarecedora e as duas outras regiões (a beira interior e o Médio Oeste) têm uma rede que “é necessário revisitar”, especifica.

O terceiro em meio ano

Em pouco mais de meio ano, o médico é já o terceiro coordenador desta comissão que foi criada em Dezembro de 2015, após o abandono, por “razões pessoais”, dos dois anteriores responsáveis nomeados pela tutela. Primeiro, foi o ex-administrador do Centro Hospitalar S. João (Porto), António Ferreira, que permaneceu apenas dois meses no cargo e, depois, foi a vez de João Correia da Cunha, ex-administrador e director clínico do Hospital de Santa Maria (Lisboa), pedir para sair.  Terão ambos desistido por perceberem que a tarefa era demasido complexa? Não, garante Regateiro, que fala em “puras coincidências”.

Contactado pelo PÚBLICO, Correia da Cunha assegura que saiu por razões estritamente pessoais e que continua “alinhado pelas ideias que norteiam a reforma desta área que é de especial complexidade”. De resto, diz que o trabalho da comissão já se traduziu em vários documentos que foram entregues à tutela e que ele próprio encontrou trabalho feito quando foi substituir António Ferreira. Para Correia da Cunha o que está em causa neste trabalho não é tanto a cobertura da rede hospitalar mas sim “a optimização da gestão”.

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