Criminalidade e violência

Segundo os primeiros dados do Relatório Anual de Segurança Interna, a criminalidade violenta, em Portugal, diminuiu globalmente em 2013, tendo-se verificado uma diminuição de 6,9% em relação ao ano anterior. No entanto, a violência doméstica não acompanhou esta descida, tendo-se verificado 40 vítimas mortais, dez das quais do sexo masculino. Foi também revelado que existem actualmente 208 agressores de violência doméstica com pulseira electrónica, mais do quádruplo do que em 2011, enquanto o número de vítimas do sexo feminino com aparelhos de teleassistência aumentou nove vezes; e sabe-se que estão detidos 442 reclusos pelo crime de violência doméstica (PÚBLICO de 29/3/2014).

Que podem significar estes números? Indicam que os crimes de homicídio, violações e roubos parecem estar em decréscimo, enquanto os crimes de violência conjugal não sofrem diminuição. Não concordo que estes crimes sejam muito difíceis de prevenir por parte das forças de segurança, como adiantou à imprensa o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna: a solução tem de estar na melhor articulação dessas forças com os sistemas psicossociais de prevenção e tratamento.

Na violência doméstica, deve-se actuar com rapidez: proteger a vítima e os filhos, responsabilizar os agressores. Sabe-se que cerca de 40% dos agressores repetem a agressão no prazo de um ano, se não forem tomadas medidas de contenção, que passam não só por acções judiciais, como a pulseira electrónica, mas também por intervenções terapêuticas.

Sabemos também que a maior parte desses agressores cresceu numa família onde sempre existiu violência relacional e em que os conflitos foram resolvidos com insultos e agressões. São pessoas que, desde muito cedo, têm dificuldade em controlar acessos intensos de raiva, sentem ansiedade marcada nas relações de intimidade e têm estilos cognitivos caracterizados por rigidez, depressão e perturbações da personalidade, sendo frequente o abuso de álcool e drogas. Os homens mais novos, com ciúme intenso, dependentes do álcool e com perturbação da personalidade são os que mais vezes surgem implicados em agressões fatais.

Os dados de 2013 do Relatório Anual de Segurança Interna mostram também um dado novo: dez homens morreram por violência doméstica, o que corresponde a um quarto das vítimas. A concepção de que a violência conjugal é um crime exclusivamente masculino tem de ser revista: embora seja muito mais frequente nos homens, também existem mulheres implicadas em agressões graves.

A violência do casal tem sempre antecedentes, não é um fenómeno que surja de repente. Insere-se em padrões destrutivos da comunicação, que descrevi no meu livro Labirinto de Mágoas: a recusa em aprofundar a análise da relação conjugal, através de mecanismos de fuga ao diálogo, como a retirada e o evitamento; a resposta sempre mais agressiva ao comentário anterior do companheiro

a, configurando um padrão de escalada; a crítica persistente e malévola ao parceiro, a denominada desqualificação; e a interpretação sempre negativa das motivações e comportamentos do outro.

Muitos destes comportamentos existem em relações amorosas que antecederam a relação conjugal. Estudos no nosso país indicam que os padrões de violência surgem logo no namoro, o que deveria levar a que pais, professores e jovens estivessem atentos ao problema e pudessem pedir ajuda no momento próprio. É preciso actuar cedo.     

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