Criar um Museu Nacional da Emigração

A história da emigração portuguesa são séculos de um legado humano rico e uma Língua das mais importantes do globo.

A criação de um Museu Nacional da Emigração será um instrumento fundamental para reconhecer, valorizar e dignificar as sucessivas gerações de portugueses que um dia deixaram o país para demandarem outras paragens, independentemente das razões porque o fizeram. Será também um poderoso meio para que os portugueses conheçam melhor a sua história e a sua identidade, e um importante polo de atração cultural e turística, a exemplo daquilo que existe em muitos outros países, como a França, Alemanha ou o Canadá.

Percebe-se facilmente que haverá centenas de milhares de portugueses e de lusodescendentes que vivem em todos os continentes que terão a maior curiosidade em saber como as suas vidas, as dos seus pais e dos seus antepassados são retratadas. Quer dizer, um Museu Nacional da Emigração será um lugar de procura de origens e de reconciliação com a nossa memória coletiva. E será igualmente um instrumento de pedagogia para que a nossa sociedade e instituições compreendam a nossa emigração e deixem de olhá-la com distância. É isso que se pretende com a iniciativa legislativa de que sou o primeiro subscritor (Projeto de Resolução n.º 877), que agora aguarda agendamento para ser discutida no plenário da Assembleia da República.

Existem em Portugal alguns museus de impulso municipal sobre a emigração, mas que evidenciam claras limitações em termos de espólio, de capacidade financeira, de abrangência do fenómeno migratório no espaço e no tempo e na disponibilidade de equipas técnicas adequadas para dar vida e alma ao museu. E esta é a principal diferença de um museu nacional que, tendo o enquadramento técnico e financeiro do Estado, terá condições para mostrar a emigração portuguesa em todas as suas dimensões, ser um espaço sustentável e um lugar de debate e de reflexão. 

Este museu deverá, portanto, ser moderno e interativo, ligado em rede a outras instituições congéneres em Portugal e no mundo. E não faltarão protagonistas nem material para lhe dar vida. A emigração portuguesa é rica, vasta e variada. Espalha-se por vários séculos e em todas as geografias, tem períodos e histórias de que nos podemos orgulhar e momentos difíceis, mesmo dramáticos, que não se podem ocultar, como a emigração para França nos anos 60 e 70.

O período da ditadura precisa, aliás, de ser melhor conhecido por todos, na forma como procurou usar, manipular e reprimir a emigração. Fosse para o Brasil na primeira metade do século XX, fosse para França ou para a Alemanha a partir dos anos 60, a emigração foi sempre marcada pelo estigma dos que governavam e pelo preconceito da sociedade que deixavam. Enquanto para a Alemanha a emigração foi controlada pelo regime através da Junta Nacional da Emigração, para França ocorreu de forma desordenada, com muitos portugueses a viverem experiências dramáticas e bastante perigosas, na travessia a salto da fronteira. Mas fosse de comboio, de barco ou a pé, legal ou clandestina, a sombra da PIDE estava sempre presente. 

Muitos dos protagonistas destas épocas e os seus descendentes certamente que gostariam de ver como as suas vidas foram retratadas e como se construíram os seus percursos, como foram superadas tantas dificuldades em contextos e culturas estranhas, com línguas e códigos sociais que desconheciam.

Mas a emigração portuguesa é muito mais do que isto. São séculos de um legado humano rico e uma Língua das mais importantes do globo. Uma quantidade gigantesca de informação e de factos que se encontram dispersos em livros, monografias, objetos, arquivos, património edificado e linhagens de gerações de portugueses do continente e das ilhas, que sempre demonstraram uma notável capacidade de adaptação aos lugares mais variados do mundo, revelando-se verdadeiros “intérpretes de culturas”, como afirma Eduardo Lourenço. Não é excessiva, pois, a expressão “há portugueses por todo o lado”, dos desertos da Mauritânia aos polos, por toda a Europa e nas Américas, na Ásia e em África.

Paradoxalmente, é igualmente frequente ouvirmos os nossos compatriotas dizerem que se sentem tão estrangeiros no país de residência como em Portugal, precisamente porque a sociedade e as instituições nunca souberam criar uma relação normal e natural com eles, o que lhes fere a dignidade. E, no entanto, o país, muitas regiões, concelhos e freguesias seriam muito mais pobres se não fossem as remessas, os investimentos e a generosidade daqueles que partiram para o estrangeiro, se não fossem os milhões de euros em importações de produtos alimentares, materiais de construção e serviços, que dinamizam a economia, dão emprego a portugueses no país e onde as suas empresas estão instaladas. 

Daí que seja necessário ultrapassar os bloqueios que ainda existem relativamente à emigração portuguesa, dando-a a conhecer melhor em todas as suas dimensões, permitindo assim aos milhões de lusodescendentes espalhados pelo mundo a possibilidade de compreenderem melhor quem são e de onde vêm.

Não é aceitável, portanto, que se perpetue o preconceito relativamente aos residentes no estrangeiro e seus descendentes e não seja reconhecida a enorme importância que tiveram na transformação do país que deixaram e em muitos países que os acolheram.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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