Novo perfil do aluno implicará revisão curricular, diz projecto de parecer do CNE

Um projecto de parecer do Conselho Nacional da Educação tece várias críticas ao documento proposto pela tutela para servir de novo referencial para a educação em Portugal.

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São 10 as competências-chave que os alunos deverão ter adquirido ao longo dos 12 anos de escolaridade obrigatória Paulo Pimenta

O Ministério da Educação (ME) tem negado que esteja a preparar uma revisão curricular, mas segundo um projecto de parecer debatido nesta segunda-feira pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) não subsistem dúvidas de que tal será necessário caso o perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória proposto pela tutela seja assumido como o novo referencial da educação em Portugal.

“Uma alteração de categoria [das abordagens curriculares], tal como a que a actual proposta apresenta, está necessariamente associada a uma revisão curricular”, afirma-se no projecto de parecer do CNE, que é um órgão consultivo do Parlamento e do Governo, num parecer sobre o novo perfil do aluno divulgado nesta segunda-feira. A votação deste projecto deveria ter ocorrido nesta segunda-feira, mas o CNE adiou-a para 19 de Abril por considerar ser necessária uma discussão mais aprofundada.

O novo perfil do aluno foi elaborado por um grupo de trabalho nomeado pelo ME e que foi presidido pelo ex-ministro da Educação Guilherme d’Oliveira Martins. O documento esteve em consulta pública até 13 de Março. O ME ainda não fez o balanço desta consulta. Dos pareceres já tornados públicos, a maioria coincide na conclusão de que a sua aplicação implicará mudanças profundas, o que alguns aplaudem e outros contestam.

No perfil do aluno são estabelecidas dez competências-chave que os estudantes deverão ter adquirido ao longo dos 12 anos de escolaridade obrigatória. São elas: linguagem e textos; informação e comunicação; raciocínio e resolução de problemas; pensamento crítico e pensamento criativo; relacionamento interpessoal; autonomia e desenvolvimento pessoal; bem-estar e saúde; sensibilidade estética e artística; saber técnico e tecnologias; consciência e domínio do corpo. Para cada uma destas competências são definidos objectivos de aprendizagem.

Esta estruturação do ensino por competências transdisciplinares pressupõe uma mudança da abordagem curricular que tem sido seguida por Portugal, onde o “ensino é baseado sobretudo em matérias”, lembra o CNE.

Instabilidade curricular

No documento proposto pelo ME assume-se que a sua aplicação acarretará “alterações de práticas pedagógicas e didácticas de forma a adequar a globalidade da acção educativa às finalidades do perfil de competências dos alunos”. O ministério também tem assumido que este é o documento de base do que chama “flexibilização curricular”, que passará também pela definição das aprendizagens essenciais por disciplina — um trabalho que deverá estar concluído em breve — e pela entrega às escolas de 25% da definição do currículo, entre outras mudanças.

O ME tinha inicialmente apontado o início do próximo ano lectivo como pontapé de saída das novas alterações, mas segundo o PÚBLICO já noticiou o primeiro-ministro António Costa garantiu a Marcelo Rebelo de Sousa que tal não acontecerá. Em Fevereiro, o Presidente da República manifestou publicamente o seu descontentamento, afirmando que as estruturas curriculares não podem mudar a cada Governo que passa.

Esta “instabilidade” também é referida pelo CNE no seu projecto de parecer. “A concretização dos princípios e objectivos gerais inscritos na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) foi sendo sucessivamente inscrita em regulamentação que, com frequência condicionada por constrangimentos de ordem financeira, factores de carácter ideológico ou motivos contingentes, alterou linhas de rumo e estratégias, suscitando apelos para maior estabilidade e estabelecimento de consensos alargados”, escreve-se.

Num relatório técnico que acompanha o seu parecer, o CNE faz um apanhado da legislação sobre educação, onde se pode constatar que só a partir do ano 2000 existiram pelo menos 14 reformas curriculares, sendo o ex-ministro Nuno Crato o campeão destas mudanças.

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Uma das primeiras medidas de Crato foi a de revogar o Currículo Nacional do Ensino Básico, aprovado em 2001 no Governo de António Guterres, por este alegadamente consubstanciar uma visão do ensino fundada em competências e não no conhecimento. Este é um debate recorrente e marcadamente ideológico, com a esquerda a centrar o foco nas competências e a direita nos conhecimentos.

Competências versus conhecimento

O novo perfil do aluno vem recuperar o conceito de competências que, segundo o projecto de parecer do CNE, assume ali “um peso demasiado elevado”. Como exemplo aponta o facto de o domínio “valorização do saber” aparecer como o último dos oito princípios que deverão subjazer ao trabalho de natureza curricular.

“O conhecimento é elemento essencial para o desenvolvimento de competências. Não devem ser entendidas como dimensões em oposição, porquanto se interrelacionam”, sublinham a este respeito os relatores do CNE, responsáveis pela elaboração do parecer. Que chamam também a atenção para o facto de a “investigação e pesquisa, assim como a matemática e as ciências (como competências transversais e não como disciplinas), surgirem com referências esparsas”.

No mesmo sentido, o projecto de parecer do CNE considera que no perfil do aluno o eventual prosseguimento de estudos para o ensino superior tem “um peso menor” por comparação à outra finalidade da escolaridade obrigatória definida na LBSE: a inserção na vida activa.

“Ao contrário de vários referenciais internacionais conhecidos, o documento em análise apresenta um referencial com dez categorias, o que parece demasiado”, escreve-se no projecto do CNE, que aponta o dedo também ao facto de este não conter comparações com outros países, o que o “fragiliza”.

Entre as várias recomendações propostas, figuram ainda a necessidade de clarificação de conceitos como competência, aptidão e conhecimento; a inclusão da cultura científica e matemática como uma das competências-chave e (porque “a escola não é uma ilha”) o reconhecimento de que existem outros parceiros sociais que, em conjunto com a escola, assumem um “papel relevante na formação de pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos activos”.

Notícia corrigida às 18h53: substitui parecer por projecto de parecer porque o CNE decidiu adiar a votação deste para Abril, já depois de ter enviado o texto aos órgãos de comunicação social, com embargo até às 17h desta segunda-feira.

 

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