Celibato obrigatório dos padres tem “os dias contados”, mas mudanças serão “graduais”

Antigos padres casados portugueses reúnem-se neste sábado em Gaia para aprovar texto a enviar ao Papa Francisco.

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O celibato obrigatório só se tornou definitivo no século XVI, após o Concílio de Trento, porque até então houve sempre tolerância Gabriel Bouys/AFP

O fim do celibato obrigatório para os padres não há-de ser imposto por via de nenhum decreto, mas nunca esteve tão próximo de se tornar uma realidade, segundo várias vozes da Igreja. “Ainda com este Papa vai haver ordenação de homens casados”, antecipa o teólogo Anselmo Borges. “Dentro de um ou dois anos, talvez três, haverá uma decisão do Papa Francisco”, reforça o teólogo Carreira das Neves, que, apesar de padre e celibatário, se mostra também a favor da liberdade de opção.

“A questão vai indo e vai continuar a ir: é uma questão de evolução natural do mundo e a Igreja irá adaptar-se”, antevê também o ex-bispo de Setúbal D. Manuel Martins. Pela parte que toca ao bispo de Viseu, D. Ilídio Leandro, a ordenação de homens casados podia começar a fazer-se “já amanhã”, conforme adiantou o próprio nas declarações prestadas esta semana sobre o tema. E, como lembrou ao PÚBLICO o ex-porta-voz da Conferência Episcopal Manuel Morujão, o “próprio Papa recordou que o celibato não é um dogma, mas uma lei da disciplina eclesiástica”.

Está assim criado um clima muito favorável às pretensões da associação Fraternitas (que congrega e apoia padres que pediram a dispensa das obrigações sacerdotais, muitos dos quais para se casar), que se reúne neste sábado em Gaia para debater e aprovar a versão final do texto que vai enviar ao Papa Francisco reclamando a presença de “uma família de padres casados” no sínodo para a família. Neste encontro entre os bispos, que decorrerá no Vaticano, entre 5 e 19 de Outubro, serão discutidos temas difíceis para a Igreja, como a situação dos divorciados em segundas uniões, o planeamento familiar e as uniões de homossexuais.

Aproveitando a boleia do próprio Papa Francisco, que, no regresso da sua viagem à Terra Santa, abriu as portas à discussão sobre o tema ao admitir que o celibato dos padres não é “um dogma de fé”, mas somente uma “regra de vida”, a associação Fraternitas vai voltar a lembrar a urgência das mudanças. “Vamos apelar, e valorizando até a experiência de padres casados que existem em Portugal, a que se abra esta possibilidade do sacerdócio com a vertente opcional pelo celibato ou pelo casamento e vamos pedir ainda que no sínodo esteja presente uma família de padres casados”, adiantou ao PÚBLICO Fernando Félix Pereira.

450 ex-padres casados
O presidente da Fraternitas, que pediu em 2000 a dispensa das obrigações sacerdotais para poder casar-se, calcula que haja em Portugal cerca de 450 ex-padres casados. “Todos os anos há novos casos de padres que pedem dispensa do exercício ou que, pura e simplesmente, se afastam”, sublinha, para enfatizar a falta que estes fazem à Igreja. Em meados de 2013, em Santarém, a diocese viu-se confrontada com o facto de seis padres terem, num curto intervalo de tempo, abandonado a função sacerdotal. Alguns assumiram ter despido a batina para poder casar-se. Em Vila Real, também vários padres se afastaram por quererem desistir da condição celibatária.

Para evitar rupturas desnecessárias, o presidente da Fraternitas, que congrega 115 padres que pediram dispensa sacerdotal, preconiza que o fim do celibato obrigatório se faça “de forma progressiva e pedagógica, para que as pessoas se possam ir habituando a ter padres casados”. O bispo emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, concorda que a mudança se deve fazer no gerúndio: “Não será a Igreja a provocá-la, isto é, o celibato deixará de ser obrigatório fruto da evolução natural do mundo.”

Apontando casos como o do padre Saul, em Lisboa, que, “sendo anglicano, sentiu que se devia fazer católico e que, sendo casado e com filhos, continuou a ser sacerdote”, D. Manuel Martins diz acreditar que o primeiro passo será dado com a “ordenação de homens casados e o segundo com a readmissão dos padres que deixaram o exercício para se casar”.  O teólogo Anselmo Borges também não acredita que vá aparecer um decreto papal a dizer que os padres podem casar-se. “Acredito que, ainda com este Papa, comecemos a assistir à ordenação de jovens casados, o que é diferente de pretendermos que a partir de um determinado momento os padres se possam casar”, antecipa.

Contra o celibato obrigatório, por entender que à Igreja não compete intrometer-se nos conteúdos morais sexuais, Anselmo Borges recorda que até os papas já foram casados na história da Igreja Católica. “Só no século XI, no âmbito das reformas de Gregório VII, é que o celibato se começou a pôr como condição para o exercício sacerdotal. Mesmo assim, a obrigatoriedade só se tornou contundente e definitiva no século XVI, após o Concílio de Trento, porque até então houve sempre tolerância”, situa.

E a crise de vocação?
Na altura, como escreveu frei Bento Domingues, num artigo publicado no PÚBLICO, o celibato visava, entre outros fins, acautelar os bens da Igreja que, “pelo matrimónio dos clérigos, passavam com muita facilidade para os seus filhos”.

A favor do fim do celibato, o religioso dominicano considera que “continuar a insistir nas mesmas condições para se ser ordenado padre é demasiada confiança no milagre da sua [padres] multiplicação”.

“Sem olhar de frente esta questão, continuaremos a lamentar obstáculos que nós próprios criámos”, avisa frei Bento, que distribui ainda críticas aos bispos que “continuam a não aceitar os muitos milhares de padres casados dispostos a continuar no seu ministério, pelo simples facto de não quererem contrariar a cúria romana”.

Ao PÚBLICO, o ex-porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa Manuel Morujão, diz não acreditar que o fim do celibato obrigatório vá responder ao problema da falta de vocações. “Compreendo que, se o celibato fosse opcional, haveria alguns jovens que assim assumiriam ser padres. Contudo, esta não é a questão essencial para a resolução do problema da falta de padres. É que, noutras confissões cristãs em que o celibato é opcional, a crise de vocações ainda é mais acentuada do que na Igreja Católica”, sustentou, na resposta que enviou por escrito às perguntas do PÚBLICO.

Apesar disso, concorda que a experiência dos padres casados que renunciaram ao exercício do ministério deve ser “aproveitada”. E, glosando o Papa Francisco, recordou que “o celibato não é dogma”, apenas “disciplina eclesiástica” e que nas igrejas do Oriente, plenamente unidas à Igreja Católica, “homens casados podem ser ordenados sacerdotes”.

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