Caso da Legionella tem nove arguidos e suspeita de mais focos de infecção

Adubos de Portugal, GE Waters e três técnicos são visados na investigação ao surto. Metade das vítimas apresenta vestígios de estirpes diferentes das detectadas numa indústria química de Vila Franca de Xira.

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A fabrica de Adubos Portugal (ADP Fertilizantes) desligou a torre de refrigeração, por precaução, durante o surto Miguel Manso

A ADP-Fertilizantes, a GE Water (empresa do universo General Electric responsável pela manutenção das torres de refrigeração da unidade fabril da ADP) e sete técnicos ligados a estas duas empresas foram, recentemente, constituídos arguidos, no âmbito do inquérito-crime aberto na sequência do surto de Legionella. Em Novembro de 2014, o surto atingiu mais de 400 pessoas na zona sul do concelho de Vila Franca de Xira, originando 14 vítimas mortais. Em causa estão indícios da eventual prática de crimes de ofensa à integridade física grave por negligência, mas os nove arguidos, que na fase inicial do inquérito prestaram declarações como testemunhas, terão, agora, optado pelo silêncio quando foram novamente chamados a depor pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Vila Franca de Xira.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), em resposta ao PÚBLICO, esclarece que foram constituídos nove arguidos, “sete pessoas singulares e duas sociedades”. A PGR acrescenta que “o inquérito encontra-se em investigação” no DIAP vila-franquense, envolvendo a recolha e análise de prova que se tem vindo a revelar “como muito complexa”. A mesma fonte sublinha, ainda, que são necessários  “exames periciais igualmente de grande complexidade, alguns deles complementares a outros já realizados mas essenciais para a descoberta da verdade”.

Mais estirpes detectadas

O PÚBLICO confirmou que já foram concluídas as perícias a cerca de 150 das 211 vítimas que apresentaram queixa-crime contra desconhecidos. Mas, segundo foi possível apurar, só em metade dos casos (cerca de 70) a estirpe que infectou as pessoas era a mesma que foi encontrada na torre da ADP. Faltam ainda os exames de algumas dezenas de queixosos, mas estes dados podem indiciar que, naquele Novembro de 2014, poderão ter havido outras fontes de propagação de bactérias da Legionella além daquela torre de refrigeração. Ou que nem todas as estirpes existentes foram detectadas nas análises feitas em Novembro de 2014. 

Este surto da chamada doença do legionário foi detectado em doentes que entraram na urgência do Hospital de Vila Franca de Xira no dia 7 de Novembro de 2014. Nas duas semanas seguintes, mais de 400 pessoas (402 segundo a Direcção-Geral de Saúde) foram assistidas e internadas em unidades hospitalares da região por estarem infectadas com a bactéria da Legionella, que vive em ambientes húmidos e se propaga fundamentalmente através da respiração de gotículas de água. O surto de Legionella de Vila Franca de Xira, como ficou conhecido, é considerado o terceiro mais grave de sempre em todo o Mundo.

Na sequência das conclusões dos ministérios da Saúde e do Ambiente, que identificaram a presença de uma estirpe da bactéria da Legionella numa das torres de refrigeração da ADP (antiga Adubos de Portugal), o Ministério Público abriu o inquérito-crime. Nos meses seguintes, 211 vítimas e familiares de vítimas apresentaram queixas-crime contra desconhecidos, que foram juntas ao processo principal. A maioria conta com o apoio de uma bolsa de advogados constituída no âmbito de um protocolo entre a câmara e a delegação local da Ordem dos Advogados. Depois disso, algumas dezenas de vítimas e familiares avançaram, também, para pedidos de indemnização cível por danos físicos e morais originados pela doença. Várias vítimas garantem que a sua saúde nunca mais voltou a ser mesma, depois de terem sofrido problemas respiratórios graves originados pela Legionella.

A administração da ADP enviou esta quarta-feira um comunicado no qual “lamenta profundamente as consequências nefastas deixadas pelo surto de Legionella”. Os responsáveis da ADP dizem estar ao dispor das autoridades para o “cabal apuramento da verdade” e “reafirmam” que a empresa “cumpriu de forma inequívoca todas as obrigações legais decorrentes da sua licença ambiental que foi renovada em procedimento ordinário e sem qualquer alteração substancial ao seu conteúdo, a 20 de Outubro de 2015”.

Queixas pela demora na investigação 

A demora na investigação deste caso tem suscitado, no último ano, várias críticas de vítimas, familiares e até mesmo de autarcas locais. “O assunto desapareceu. Sentimo-nos abandonados”, chegou a referir um dos infectados. A Assembleia Municipal de Vila Franca também aprovou moções pedindo celeridade no processo. A PGR tem realçado sempre a especial complexidade da investigação, frisando que este caso é, em muitos aspectos, o primeiro do género tratado pela justiça portuguesa e que a investigação está "dependente da especial complexidade técnica das diligências periciais necessárias". Jorge Ribeiro, presidente da Junta da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, voltou a lamentar esta quarta-feira a demora na investigação, mas considerou que estas notícias demonstram que a justiça está a funcionar. "O importante é que se apure a verdade e que os responsáveis sejam responsabilizados", referiu. Com Pedro Sales Dias

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