Casal português retido em Timor há três anos conhece hoje a sentença

MP pede oito anos de prisão por crimes económicos. Autoridades portuguesas já manifestaram a sua preocupação pela situação do casal. Família reclama inocência e fala em “várias irregularidades”.

Foto
Tiago e Fong Fong Guerra numa das audições do julgamento no tribunal de Díli Nuno Veiga/Lusa

Tiago e Fong Fong Guerra foram detidos no Aeroporto de Díli a 18 de Outubro de 2014. Tiago esteve em prisão preventiva até 16 de Junho de 2015. A partir daqui, o casal ficou com termo de identidade e residência, com obrigação de se apresentar às autoridades semanalmente, e impedido de sair do país. A leitura da sentença foi adiada por duas vezes no final do mês passado e está marcada para esta sexta-feira no Tribunal Distrital de Díli. Trata-se de um julgamento polémico que já levou dois presidentes da República portuguesa e membros de dois governos a manifestarem preocupações às autoridades timorenses.

O casal foi acusado já este ano pelo Ministério Público (MP) timorense dos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental, relacionados com uma transferência de 859.706 dólares (cerca de 792 mil euros), feita em 2011 por um consultor nigeriano para a conta da empresa da arguida.

O MP pediu a condenação do casal pelos alegados crimes de peculato e branqueamento de capitais e penas de prisão de oito anos para cada um dos dois arguidos, além do pagamento de uma indemnização no valor de 859.706 dólares, com juros desde 2011. Em relação aos alegados crimes de falsificação de documentos foi pedida a absolvição por considerar que estes já prescreveram.

O consultor nigeriano Bobby Boye, que fez a transferência para a empresa de Fong Fong Guerra, está actualmente preso nos Estados Unidos por defraudar Timor-Leste em 3,5 milhões de dólares (3,2 milhões de euros). Este consultor trabalhou com o Governo timorense na recuperação de impostos devidos ao país por empresas petrolíferas, primeiro integrado na cooperação norueguesa e depois em colaboração directa com o Executivo de Timor.

Nas alegações finais, a defesa do casal português nega todas as acusações e reclama a inocência de Tiago e Fong Fong Guerra. O mesmo alegam familiares e amigos ouvidos pelo PÚBLICO, falando “num caso impregnado de irregularidades desde o início”.

Governantes preocupados

Embora com alguma discrição, os familiares e amigos têm vindo a alertar o poder político português para a situação, levando a que quer o anterior Presidente da República, Cavaco Silva, quer o actual, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestassem aos seus homólogos timorenses “preocupação” com o desenrolar do processo. O mesmo fizeram, segundo o PÚBLICO apurou, os Governos liderados por Passos Coelho e António Costa.

No final do mês passado, quando a leitura do acórdão foi adiada, na sala de audiências, em apoio ao casal estavam o ex-Presidente timorense José Ramos-Horta, vários representantes do corpo diplomático, nomeadamente das embaixadas de Portugal e da União Europeia, das Nações Unidas e do Banco Mundial, para quem Tiago também trabalha e com o qual manteve o vínculo laboral já depois da detenção.

Tiago Guerra, 46 anos, engenheiro de profissão com um mestrado em finanças, e a mulher, Fong Fong Guerra, empresária de 39 anos nascida em Macau, têm dois filhos, hoje com 10 e 12 anos, que vivem com os avós — as crianças vieram para Portugal pouco tempo depois de o casal ter sido detido e visitaram os pais em Timor em algumas ocasiões.

Tiago chegou a Timor em 2002, como director técnico da Timor Telecom, empresa da Portugal Telecom. Esteve por lá até 2005. Ao serviço da empresa passou depois pela China e pelo Brasil, sempre com cargos de direcção. Regressou a Timor-Leste em 2010, então ao serviço de uma empresa irlandesa de telecomunicações. Já em 2011 acabou por abrir a sua própria empresa em Díli, especializada em consultorias e auditoria. Por essa altura conheceu Bobby Boye, seu vizinho em Díli e que, mais tarde, se tornaria seu cliente.

De quem é o dinheiro?

É uma transferência de cerca de 859 mil dólares feita em 2011 por este consultor para uma empresa de Fong Fong Guerra que está no centro da acusação. O MP alega que esse dinheiro pertence ao Governo timorense, a defesa diz que o casal desconhece que essa verba possa ser de Timor, afirma mesmo que em tribunal não se provou esse facto e garante que a transferência foi feita dentro das regras legais e com conhecimento das autoridades timorenses.

Porém, quando o casal foi detido no aeroporto de Díli, em Outubro de 2014, o responsável da polícia de Díli disse aos jornalistas que ambos tinham sido detidos por estarem a fugir do país com uma mala com cerca de 800 mil dólares. Factos que nunca foram provados, não constam na acusação e cuja falsidade levou o Tribunal de Recurso a determinar o fim da prisão preventiva de Tiago Guerra.

Desde o dia da detenção que familiares e amigos falam de “muitas irregularidades” no processo. Fazem-no pedindo para não serem identificados. Os familiares porque dizem “ter receio de prejudicar” o casal com as suas declarações, os amigos por terem ainda vínculos profissionais em Timor e temerem “perseguições”. Garantem que a prisão se deu por volta das 15h locais sem mandado de detenção — que só foi apresentado cerca das 21h — e que o casal só foi ouvido pelo MP “20 meses depois de ser detido”. Denunciam também “desrespeito de vários prazos legais” e “incumprimento das regras processuais consagradas em defesa dos direitos dos arguidos e do respeito pela descoberta da verdade material”.

Apontam ainda a “recusa da procuradora em receber provas ou esclarecimentos adicionais” e a “flagrante violação do princípio da legalidade e imparcialidade que está vinculada”.

Pequenos erros, diz Timor

Ao longo dos tempos o poder judicial timorense tem refutado todas as acusações, afirmando que o processo tem cumprido “todas as regras legais”, admitindo apenas “pequenos erros processuais”.

“Timor quer encontrar um culpado para o roubo que foi feito por Bobby Boye. Como não o apanharam tentam culpar injustamente o Tiago e a Fong Fong. Aliás, durante todo o julgamento mais pareceu que quem estava a ser julgado era Bobby Boye”, diz uma amiga do casal, que há cerca de 15 anos trabalha em Timor.

Caso hoje o colectivo de juízes dê razão ao MP e condene o casal este pode recorrer da sentença ao Tribunal de Recurso, pedido que terá de ser feito de imediato para evitar uma eventual detenção.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários