Feno no chão do parque alimentou incêndio no Andanças

PJ conclui que incêndio, cuja propagação foi facilitada pela vegetação cortada deixada no terreno, teve origem num comportamento negligente. Cigarro mal apagado é a hipótese de ignição mais provável.

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Incêndio danificou 458 veículos pelas contas da GNR Enric Vives-Rubio

O terreno que serviu de parque de estacionamento do festival Andanças, que decorreu na Barragem da Póvoa, concelho de Castelo de Vide, em Portalegre, foi limpo pouco antes de o evento começar, mas a vegetação que se encontrava no local não foi retirada. Tal fez com que o chão se transformasse numa espécie de cama de feno que foi essencial para explicar a dimensão dos estragos provocados pelo incêndio: 458 veículos danificado pelas contas da GNR, dos quais pelo menos 422 totalmente destruídos, segundo a Autoridade Nacional de Protecção Civil.

Esta é uma das questões que estão a ser analisadas pela Polícia Judiciária, que desde cedo notou a propagação anormal que o incêndio, no dia 3, teve e foi sublinhada igualmente por outros especialistas que analisaram o local do fogo.

A limpeza foi feita por sapadores da Câmara de Castelo de Vide, no âmbito de um protocolo realizado entre a autarquia e a organização do Andanças. Mas o presidente da câmara, António Nobre Pita, recusa qualquer tipo de responsabilidade. “De facto o trabalho foi realizado pelos sapadores municipais, orientados pelo comandante operacional municipal, mas seguindo as instruções da própria organização”, sublinha o autarca, que adianta que nos trabalhos participou ainda uma máquina agrícola contratada pela organização do festival.

Sem assumir claramente que a cama de feno foi colocada intencionalmente, Nobre Pita diz que a organização sempre viu o pó no chão do parque como um problema, face a várias reclamações recebidas em edições anteriores.

Graça Gonçalves, da organização do Andanças, garante que ninguém do festival deu instruções durante a limpeza, nem pediu para que a vegetação cortada fosse mantida no local. “Apenas pedimos à câmara para cortar a erva. Mas não demos instruções específicas ao coordenador dos trabalhos”, nota Graça Gonçalves. A coordenadora executiva do festival lamenta “uma série de infelicidades” que contribuíram para que esse manto se tenha formado. Primeiro a chuva abundante que caiu durante o Inverno e a Primavera, responsável por um crescimento anormal da vegetação, depois o facto de, por diversas vicissitudes, a erva ter sido cortada muito em cima do festival. “Nos outros anos, a vegetação cortada acabava por se dispersar com o vento”, referiu Graça Gonçalves.

Segundo o PÚBLICO apurou, os inspectores da PJ que estão a investigar as causas do incêndio, já realizaram o relatório preliminar da ocorrência, tendo concluído que o fogo não começou em nenhum veículo. A ignição terá ocorrido na vegetação que circundava o parque e só depois se propagou aos carros. Não se sabe exactamente o que esteve na origem do incêndio, mas tudo aponta para um comportamento negligente.

A hipótese mais provável é que tenha sido provocado por um cigarro mal apagado. Não existe nenhum vestígio que corrobore essa tese, que resulta de uma análise por exclusão de partes. Não foi detectada nenhum vestígio de fogueira, não houve qualquer trovoada, não houve problemas com cabos de alta tensão, nem foram encontrados vidros que expostos à luz solar pudessem estar na origem do fogo, enumera fonte policial.

Também não foi encontrado nenhum indício de fogo posto, o que levou a polícia a excluir a possibilidade de uma ignição intencional. Tal foi possível através da análise dos vestígios deixados pelo fogo, que mostram uma velocidade de propagação baixa, no início do incêndio.

Estas conclusões são uma má notícia para muitos dos lesados, já que, não tendo a ignição começado numa viatura, há menos um seguro a que possam ser imputadas responsabilidades. O único seguro que parece poder responder pelos danos é um de responsabilidade civil que a organização do Andanças possui, mas que a própria organização reconhece que será insuficiente para fazer face aos avultados danos. “Só depois de apuradas as causas é que a nossa seguradora se vai pronunciar”, explica Catarina Serrazina, da comissão executiva do Andanças.

Apesar de formalmente a maior parte dos veículos destruídos (345) já ter sido entregue aos proprietários ou às companhias de seguros, na realidade as “carcaças” continuam no parque de estacionamento do Andanças, à espera de serem levantadas, explicou ao PÚBLICO o tenente-coronel José Moisés, oficial de relações públicas do Comando Territorial de Portalegre da GNR.

“Hoje [ontem] esteve no local uma empresa licenciada neste tipo de trabalhos e foram removidas cerca de 100 viaturas”, referiu o tenente-coronel José Moisés. Uma outra operação semelhante deverá ocorrer esta semana.

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