Cala-te, Sininho

Será um mundo mais pobre, este em que vivemos? Será um engano este pequeno acréscimo de silêncio? Seja o que for, é bem-vindo. Por enquanto.

Os leitores mais idosos hão-de lembrar-se do tempo em que não havia gato-sapato que não tivesse um toque excêntricozinho no telemóvel. Ele eram buzinões, leitmotifs, arrulhos e panteras cor-de-rosa a avançar pelas sombras. Ou, na mais aziaga das hipóteses, a Gran Vals de Francisco Tarrega, na versão excruciante da Nokia.

Entretanto as pessoas deixaram de comprar ringtones, valha-as Deus. Um ringtone era talvez a pior pechincha de todo o sempre. Escolhia-se um trecho de uma música de que se gostava - Naima de John Coltrane, I Fall In Love Too Easily de Miles Davis, Fly Me To The Moon de Frank Sinatra - e, vinte telefonemas mais tarde, ganhava-se um ódio supurante à música inteira que levava décadas a sarar.

Agora é mais raro ver pessoas a falar ao telemóvel em público. Se calhar, gastam o latim ao volante, naquela suave tagarela enaltecida pelo risco de uma colisão frontal. Ou será também isso uma saudade irremediável dum passado perdido, atendendo ao entusiasmo com que hoje se digitam hilariantes mensagens escritas enquanto se conduz?

Já ninguém se dá ao trabalho de escolher ringtones "personalizados". Deixam ficar o jingle que veio da fábrica. Daí que, quando toca um telemóvel, todos os cafézeiros de uma esplanada comecem a apalpar-se em busca de um sinal de vida.

Será um mundo mais pobre, este em que vivemos? Será um engano este pequeno acréscimo de silêncio? Ou não será antes um breve intervalo antes da cacofonia que se segue? Seja o que for, é bem-vindo. Por enquanto.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários