Boyhood

Boyhood, de Richard Linklater, foi um dos grandes filmes de 2014 e que os leitores menos atentos ainda estão a tempo de ver.

Boyhood, palavra inglesa que significa o período da infância e adolescência, retrata o crescimento de Mason, desde os seus 6 anos até aos 18, altura em que entra para a universidade.

A inovação reside no modo como o filme foi rodado. Linklater, que já me tinha agradado com Antes do Amanhecer, demorou 12 anos a realizar Boyhood. Entre 2002 e 2014, reuniu toda a equipa durante alguns dias e acompanhou assim, ao longo deste tempo, a evolução da vida de uma família. No total, realizou apenas 39 dias de filmagens, com a diferença desses dias terem sido espaçados no tempo.

O argumento é muito interessante porque, à partida, parece muito simples: filmar a evolução de uma família dos nossos dias, ao longo de pouco mais de uma década. Todavia, o filme surpreende a cada passo, porque justamente ao falar de pessoas como nós, revela as inquietações que tantas vezes nos assaltam e as dúvidas que a cada dia nos fazem hesitar.

São os olhos de Mason (e, por vezes, de sua irmã, Samantha) que nos guiam ao longo de mais de duas horas de projecção. Começamos na sua infância, em que o vemos numa tentativa de aproximação ao pai, separado da mãe há anos e que nos é apresentado de início como alguém imaturo e pouco responsável. No entanto, os dois irmãos (re)descobrem o pai, captando a sua afectividade espontânea e a sua capacidade de brincar. Quando o filme se aproxima do fim, Mason, em plena adolescência, já consegue falar com o pai sobre muitos temas, entre os quais os da sua vida afectiva e os projectos para o futuro.

Toda a obra remete para as novas famílias e, de uma forma certeira, combate a visão simplificadora do discurso “politicamente correcto” sobre o divórcio, característicos dos dias de hoje e que critico no meu novo livro O Tribunal É o Réu. A verdade é que, como tantas vezes acontece noutros casos, a mãe de Mason e Samantha não é feliz nos seus novos relacionamentos amorosos e os jovens sofrem com as sucessivas recomposições da sua família: mudam de cidade e de escola, perdem os amigos, submetem-se a padrastos que os maltratam ou pelo menos não os compreendem e não encontram, nos adultos à sua volta, disponibilidade para serem ouvidos, nas dúvidas características da adolescência.

Boyhood vale também pelo fresco que nos dá dos primeiros anos do século XXI: lá está a vitória de Bush, apesar do slogan “Qualquer um, excepto Bush”; a campanha presidencial de Obama, onde o pai de Mason e de Samantha participa activamente; as loucuras à volta de Harry Potter; os jogos electrónicos, a Internet e os telemóveis, que mudaram por completo a vida dos jovens do nosso tempo.

No entanto, o mais interessante de tudo é a forma como o realizador nos faz sentir a vida do adolescente Mason (uma excelente interpretação de Ellar Coltrane, que ao longo das filmagens cresceu 27 centímetros e experimentou 72 cortes de cabelo…): lá vemos o seu difícil relacionamento com os adultos, o aborrecimento adolescente, as dúvidas sobre si próprio e o futuro, as primeiras experiências com sexo e drogas, no final a entrada no ensino superior, com a consequente autonomia sempre desejada.

Em vez de conversas intermináveis, pais e professores deveriam ir ver Boyhood com os adolescentes que os rodeiam, para depois poderem ter uma conversa animada…

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