Bárbara Guimarães sobre Carrilho: “Se fosse hoje, teria feito queixa”

Na primeira sessão do julgamento, Manuel Maria Carrilho, acusado de violência doméstica, não quis falar. Apresentadora descreveu agressões e ameaças. “Não fui ao hospital por vergonha.”

Bárbara Guimarães à chegada ao Campus da Justiça
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Bárbara Guimarães à chegada ao Campus da Justiça Enric Vives Rubio
Manuel Maria Carrilho à chegada ao Campus da Justiça
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Manuel Maria Carrilho à chegada ao Campus da Justiça Enric Vives Rubio
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Enric Vives Rubio
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Logo no arranque do julgamento em que Manuel Maria Carrilho é acusado de violência doméstica, a juíza Joana Ferrer mostrou um livro que tem um prefácio do ex-ministro da Cultura. E pediu o seguinte: que, "para falar dos factos" de que está acusado, Carrilho usasse ali “a mesma clareza de exposição" que usara no dito prefácio — um prefácio que a juíza leu “como trabalho de casa”, para melhor “perceber” o arguido que ia julgar. Mas o ex-governante não quis falar. Não para já. A sessão prosseguiu e chamaram Bárbara Guimarães. Ao longo de mais de três horas, a apresentadora de televisão descreveu as agressões de que diz ter sido alvo (“pontapés”, “empurrões”, “murros”), as “ameaças” (“Ele disse: ‘mato-te a ti, mato os nossos filhos e a seguir mato-me a mim.’”), os insultos.

Nesta sexta-feira, em Lisboa, a juíza perguntou a Bárbara Guimarães quando é que as coisas “mudaram” afinal — “Confesso que estive a ver fotografias do vosso casamento”, disse Joana Ferrer, e tudo parecia maravilhoso. “Parece que o Professor Carrilho foi um homem, até ao nascimento da Carlota [a segunda filha do casal], e depois passou a ser um monstro.” Ora “o ser humano não muda assim”, disse a juíza, que pediu várias vezes à apresentadora que explicasse melhor como se dera a transformação, num casamento que durou mais de dez anos. 

Bárbara Guimarães — que a juíza tratou sempre como Bárbara — manteve-se em geral serena. Atrás dela, afastado do seu ângulo de visão, Manuel Maria Carrilho — que a juíza tratou sempre como Professor — observava-a, uma vezes com o rosto fechado, outras vezes a sorrir. 

O casamento “não era perfeito”, mas no fim de 2012 iniciaram-se as agressões, segundo explicou a apresentadora — a primeira, física, aconteceu depois de um episódio do “Toca a Mexer”, programa que ela apresentava, no qual dançou com o ex-futebolista Futre; quando chegou a casa, disse, Carrilho humilhou-a. “Deu-me dois ou três pontapés.”

Mas houve sinais antes, sim, prosseguiu, ainda em resposta à juíza. A apresentadora recordou um debate televisivo em 2005 que opôs Manuel Maria Carrilho, candidato à Câmara Municipal de Lisboa, pelo PS, a Carmona Rodrigues, do PSD. Já de pé e pronto para abandonar o estúdio da SIC, Rodrigues aproximou-se de Carrilho, estendeu-lhe a mão para o cumprimentar, mas este recusou o aperto de mão. Esta reacção deu que falar. Quando chegaram a casa, Bárbara Guimarães preparava algo para o marido e os assessores dele beberem. “Estávamos na cozinha. O meu ex-marido perguntou-me: ‘Não dizes nada? Não tens nada a dizer sobre o debate?’ E eu disse que achava que se até ali ninguém ligava ao Carmona Rodrigues, a partir dali ele ia começar a subir nas sondagens. E ele respondeu: ‘És mesmo estúpida. És muito estúpida!’ Foi a primeira vez que ele me chamou estúpida. Depois disso, ‘estúpida’ passou a ser uma palavra que fazia parte do casamento.”

Mas um dos pontos centrais das perguntas feitas pela juíza — e também pela procuradora do Ministério Público — foi este: porque não se queixou antes? Por que razão não ia ao hospital quando era agredida e deixou a situação arrastar-se? “Não fui ao hospital por vergonha”, disse Bárbara Guimarães.

A juíza lamentou o facto de, assim, ser difícil provar que houve violência doméstica. “Preciso de provas”, declarou.

Bárbara Guimarães, que diz ter pedido muitas vezes o divórcio naquele ano de 2013, disse que também tinha medo. “‘Mas tu achas que alguma vez sais deste casamento?’ — dizia-me ele.” Medo e vergonha. “Os filhos, o facto de sermos duas figuras públicas... Nunca imaginei, nunca, dizer a alguém que ele me batia.”  E acrescentou, mais tarde: “Ele não vai parar enquanto não me destruir.”

Só “em Outubro de 2013 disse para mim: sim, sou uma vítima.” Foi depois de uma cena que foi descrita pela própria do seguinte modo: “Ele levou-me para o sótão, pôs-me virada para as escadas, disse-me, ‘vai pelas escadas, bates com a cabeça e eu e os teus filhos ficamos a rezar por ti.’”

“Não tem que se justificar ao tribunal por que é que não foi ao médico. Ninguém a pode censurar”, disse a certa altura a procuradora do Ministério Público. Mas a juíza afirmou, pouco depois, algo diferente: quando a apresentadora contou mais um episódio sobre como, “no epicentro do furacão”, continuava a dar uma imagem pública de que tudo estava bem, Joana Ferrer declarou: “Causa-me alguma impressão a atitude de algumas mulheres” vítimas de violência, algumas das quais “acabam mortas”. E acrescentou: “A senhora procuradora diz que não tem que se sentir censurada. Pois eu censuro-a!” É que “se tinha fundamento” para se queixar, devia tê-lo feito, rematou.

“Se fosse hoje faria tudo ao contrário do que fiz na altura e à primeira agressão teria imediatamente feito queixa”, disse a apresentadora.

A próxima sessão do julgamento de Manuel Maria Carrilho está marcada para dia 19. O ex-ministro, ex-embaixador de Portugal na UNESCO, professor catedrático aposentado, é acusado de violência doméstica. No despacho de acusação diz-se que Carrilho “começou a controlar os movimentos diários” de Bárbara Guimarães após o nascimento da filha, que usava expressões como: “És uma alcoólica, não vales nada, estás acabada, és um fiasco total, não tens cabecinha para nada”. E que houve agressões físicas. Manuel Maria Carrilho tem dito em diferentes ocasiões que é tudo falso.

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